Fisco actuará se não houver consenso sobre recuperação de ajudas ilegais na Zona Franca da Madeira
O Governo dará instruções à Autoridade Tributária para "atuar unilateralmente" na ausência de consenso no grupo de trabalho encarregado de elaborar o plano de recuperação dos apoios concedidos às empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira (ZFM).
Este alerta foi deixado hoje pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, durante uma audição na Comissão de Orçamento e Finanças (COF) sobre uma proposta do Governo de alteração de benefícios fiscais, que contempla também a clarificação das regras do regime da ZFM de forma a evitar utilizações abusivas do regime e a salvaguardar a sua compatibilidade com o direito comunitário.
António Mendonça Mendes precisou que o grupo técnico em que participam a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira (AT-RAM) e que foi criado em fevereiro, tem tido reuniões preparatórias com Bruxelas.
"As reuniões preparatórias com a Comissão Europeia têm existido e todos ouvem o mesmo, não é só a AT que ouve, e a minha expectativa é que cheguemos ao fim e possamos atuar", referiu o governante, precisando que, "se não houver consenso neste grupo de trabalho o Governo dará instruções à Autoridade Tributária e Aduaneira para atuar unilateralmente".
Em resposta a questões de vários deputados sobre o andamento do processo, Mendonça Mendes referiu que o "grupo técnico está neste momento a fazer o levantamento das situações com necessidade de regularização", e que os trabalhos estão a decorrer com "normalidade", mas lembrou que os processos de recuperação de auxílios são "complexos" e morosos.
O secretário de Estado adiantou também que o primeiro 'draft' técnico sobre o plano de recuperação dos apoios concedidos às empresas licenciadas na ZFM será apresentado à Comissão Europeia em 05 de abril.
Esta audição ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais fechou a ronda de audições agendadas pela Comissão de Orçamento e Finanças no âmbito da apreciação na especialidade da proposta do Governo de alteração a benefícios fiscais e que contempla a clarificação das regras do regime da ZFM de forma a evitar utilizações abusivas do regime e a salvaguardar a sua compatibilidade com o direito comunitário.
A par da proposta do Governo está também a ser apreciada uma do PSD sobre o regime da ZFM.
Na sequência de uma investigação aprofundada lançada já em 2018, o executivo comunitário anunciou em 04 de dezembro ter concluído que "a implementação do Regime III da Zona Franca da Madeira em Portugal não está em linha com as decisões de ajudas de Estado da Comissão".
Perante este desfecho, Portugal terá de "determinar o montante a ser recuperado de cada beneficiário individual" e "identificar, entre os beneficiários, aqueles que não respeitaram as condições estabelecidas nas decisões de auxílios estatais da Comissão de 2007 e de 2013, que aprovaram o regime III [da ZFM]", ou seja, a criação de emprego na região e uma ligação entre os lucros e uma atividade efetiva e materialmente realizada na Madeira.
Bruxelas deu a Portugal oito meses (e não os habituais quatro) para a execução da decisão de recuperação das ajudas.
Ao grupo técnico, coordenado pela diretora-geral da AT, caberá fazer o "plano de recuperação das infrações que possam ter origem nas desconformidades" identificadas por Bruxelas.
Durante a audição, António Mendonça Mendes precisou que a proposta do governo não está a propor a prorrogação do regime da ZFM por mais um ano -- porque este termina em 2027 -- mas a procurar criar regras que não permitam que se repitam a situações que levaram à condenação por parte de Bruxelas.
Entre essas alterações inclui-se uma norma que clarifica que as empresas licenciadas na Zona Franca da madeira beneficiam de uma taxa reduzida de IRC de 5% nos lucros gerados na região autónoma e quando haja criação e manutenção de trabalho dependente de pessoas com residência fiscal na Madeira.
"Só se tivermos a consciência que temos um problema é que o conseguimos enfrentar", disse, acentuando que o que mais prejudica a ZFM é entender que "não nos temos de conformar as regras que existem".
Ainda assim o secretário de Estado manifestou abertura para que possam ser feitos ajustamentos à proposta no sentido de limar aspetos desta norma que possam consubstanciar um limite à livre circulação de pessoas.