Laura Veridiana, que escrevia com o pseudónimo Maria Tereza Francisca, é uma das autoras mais importantes de literatura infantil na Madeira. Aliando instrução e divertimento, insere-se num conjunto de escritores que consolida o género e que compreende o papel da fantasia e da imaginação na escrita para crianças. No primeiro livro infantil que tem como cenário a Madeira, leva as suas jovens personagens à descoberta da Ilha, das suas tradições e história. Hoje, encontramos nos seus livros o retrato de um tempo e das suas crianças: se calhar, não tão diferentes das de hoje no seu desejo de ver e conhecer o mundo.
Filha de D. Francisco Xavier de Castro e Almeida Pimentel de Sequeira e Abreu, natural de Pangim, Goa, de uma conhecida linhagem envolvida na administração colonial do Extremo Oriente português desde o século XVI, irmão de Luís Caetano de Castro e Almeida Pimentel de Sequeira e Abreu, Conde de Nova Goa, e de Maria Antónia de Bettencourt Pestana, Laura Veridiana nasceu na rua da Carreira, no Funchal, a 7 de novembro de 1870. Frequentou o Liceu do Funchal e teve uma educação esmerada, tendo privado com as meninas da alta sociedade madeirense.
Em 1918, casou-se com Feliciano José Soares, escritor e jornalista, natural de Aveiro, que, posteriormente, assumirá o cargo de diretor do Diário de Notícias do Funchal. O casal instalou-se no número 6 da Calçada do Pico, onde Laura Veridiana, tradutora e escritora, viria a falecer com 94 anos, em 1964.
Prima da escritora Virgínia de Castro e Almeida (1874–1945) – uma das principais inovadoras da literatura infanto-juvenil portuguesa, com a publicação de A Fada Tentadora, em 1895, na “Biblioteca Azul”, considerada obra pioneira, na qual o propósito de divertimento dos pequenos leitores ganha lugar numa literatura marcada principalmente pelo objetivo didático –, com nomes como os da escritora e conferencista Emília de Sousa Costa (1877–1959) e da autora Ana de Castro Osório (1872–1935), Laura Veridiana tinha no seu círculo de amizades algumas das personalidades mais importantes e determinantes do seu tempo, como a prima Luísa Grande, que escrevia com o pseudónimo Luzia, Fernanda de Castro e Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921). Não podemos dissociar a mulher que escreveu, traduziu e teve parte ativa na sociedade madeirense da que privou com estas autoras que defenderam a educação feminina da mulher e que expressaram o seu pensamento em textos de diversos géneros, dirigidos quer ao público infanto-juvenil, quer ao público adulto.
À semelhança da prima, Laura Veridiana também se dedicou à literatura infanto-juvenil, tendo publicado, com o pseudónimo Maria Francisca Tereza, Em Casa da Avó – na Ilha da Madeira (o primeiro livro para crianças em que o cenário é a Madeira), em 1923, Como Chica Conheceu Jesus, com prefácio do bispo do Funchal D. Manuel António Pereira Ribeiro, em 1925, e O Querido Tio Gustavo, também em 1925. Apenas Como Chica Conheceu Jesus não é ilustrado. Os outros dois são ilustrados, a preto e branco, pelo artista Emanuel Ribeiro (1884-1972). Antes da publicação destas obras, já a escritora se tinha dedicado à tradução, vertendo em português dois textos do romancista, dramaturgo e contista inglês Hall Caine: A Cidade Eterna, romance de 1901 de grande sucesso internacional, em 1907, e O Profeta, também em 1907. Publica também A Pequena Ana de Guiné (1929), tradução de La Gracieuse Histoire de la Petite Anne de Guigné, do dominicano Étienne-Marie Lajeunie, e A Chama que se Apaga, do romancista francês Charles Foley, em 1933.
Colaboradora assídua da revista católica Esperança, é neste periódico que saem alguns dos seus textos, como “Maggy - A vida de uma rapariga belga”. Coordenou, entre outubro de 1927 e 1931, a secção quinzenal “Notícias Infantil”, dedicado ao público infanto-juvenil que apresentava anedotas, adivinhas, poesias e sugestões de leitura, no Diário de Notícias do Funchal, dirigido à época pelo marido, Feliciano Soares.
Para poder compreender a dimensão da obra de receção infantil de Laura Veridiana, há que entender o contexto em que se desenvolve, no período designado por “idade do ouro” do início e da consolidação da literatura infantil portuguesa, que compreende as duas últimas décadas do século XIX e o início do século XX até ao início da segunda grande guerra. Maria Chiappe Cadet, Maria Amália Vaz de Carvalho, Adolfo Coelho, Gomes Leal e Eufrásia da Silveira Corte-Real abrem o caminho a uma literatura cada vez mais segura do seu lugar e que, à medida que aparecem novos escritores (na maioria, senhoras), se vai libertando da função principalmente didática e moral para dar espaço ao lúdico, valorizando a leitura como espaço de jogo, fantasia e liberdade de imaginação.
Os livros de Laura Veridiana são exemplo da união do moral e pedagógico com o entretenimento, das preocupações que marcarão o futuro Estado Novo, como o patriotismo, o regionalismo, a centralidade da religião e da educação dos mais novos com o humor, o “divertir”, o estímulo ao uso das capacidades do “fazer de conta”. Centrada na realidade e quotidiano das crianças, a escritora junta adultos e mais novos para que os primeiros guiem com o seu conhecimento os pequeninos, formando o seu caráter. Mas, mesmo nos momentos mais sérios, coloca peripécias que fazem rir, seduzindo os leitores, cumprindo o ideal do “instruir e formar, divertindo” da primeira República.
As personagens das crianças pertencem ao universo das elites, jogam ténis, aprendem inglês, viajam, aprendem jogos tradicionais, fazem representações teatrais, representações teatrais e disfarces, jogam dominó e cartas, fazem charadas figuradas e o loto com prémios. Movem-se num mundo de adultos que se encontram nos chás e nos serões e têm de se mostrar compenetrados e educados. Nada, no entanto, que lhes refreie as risadas quando se encontram numa festa de Natal na companhia de senhoras de idade: a avó muito séria, umas muito tagarelas e uma meio surda e taralhouca.
Laura Veridiana teve também grandes preocupações sociais e foi fundadora do “Lactário” da rua da Mouraria, Dama de Caridade do Hospício Princesa D. Amélia e membro da Ação Católica. De forte convicção católica, a autora envolveu-se em primeira pessoa em ações beneméritas.
A obra de Laura Veridiana demonstra a sua dedicação à mulher, à criança, à educação e à cultura em geral e os objectivos didáticos e moralizantes não impediram a autora de construir histórias originais e apelativas. Além disso, o papel de editora de uma secção infantil dedicado aos mais novos fez a autora ter em mente um público único e especial, constituído por crianças que tinham gostos e interesses próprios. O seu papel inovador na literatura infantil, sendo a autora consciente dos seus propósitos literários quando escreve para crianças e de ter a noção de estar a contribuir para a afirmação do novo género, devia ser motivo mais do que suficiente para que hoje o seu nome fosse mais valorizado pelos investigadores e pelos leitores. Fica a sugestão de viajar com as personagens Chica, os seus irmãos e a avó à descoberta da Madeira.