Direcção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira recorda epidemias que marcaram a história da Região
No dia em que se assinala um ano desde que o primeiro caso positivo de COVID-19 na Região, a Direcção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira (DRABM) faz, no seu portal, "uma imersão no passado e destaca, numa cronologia, as epidemias que marcaram a História da Madeira – Peste (1521-1538), Cólera morbus (1856), Peste bubónica (1906) e Cólera (1910)".
"A esta linha temporal acrescentamos a descrição da conjuntura em que cada uma delas surgiu, incluindo informações clínicas, o (possível) trajecto das cadeias de transmissão, as medidas de combate às epidemias, adotadas por governantes e médicos, notas da imprensa regional, curiosidades e algumas imagens", refere a DRABM salientando que optaram "por proporcionar informações referentes aos surtos epidémicos que não tiveram causas locais".
Segundo a DRABM, a primeira epidemia a marcar a história da Madeira foi a da Peste. Os primeiros casos surgiram a 17 de Março de 1521.
"A peste deflagrou e provocou uma elevada taxa de mortalidade entre os habitantes da cidade (cerca de 30 mortes diárias). Nesta circunstância, a 08 de junho, a Câmara do Funchal e o Cabido reuniram-se na Sé para que se procedesse à eleição do protetor da cidade, juntamente com o povo. Foram a sorteio quinze nomes santos e ao selecionado erguer-se-ia, também, uma igreja. O eleito foi São Tiago Menor, dando-se, assim, início ao seu culto. A 21 de julho realizou-se primeira procissão a São Tiago Menor com saída da Sé até ao lugar onde se construiria o templo. Porém, as obras da igreja foram interrompidas por falta de dinheiro. Como a peste não se erradicava, em janeiro de 1523, foi decidido concluir a igreja e fez-se a promessa de festejar o santo no 1.º de maio de todos os anos."
Porém, os casos de peste continuaram a surgir até 1538, ano a partir do qual desapareceram. Nestes 17 anos, faleceram mais de 1.600 pessoas devido a esta doença.
Já no século XIX , em 1856, a Madeira foi contaminada por uma epidemia de cólera de carácter fulminante, que terá sido introduzida aquando do desembarque do Batalhão de Infantaria n.º 1, vindo de uma zona infectada de Lisboa.
Nesta época, recorda da DRAMB, a Região "atravessava uma grave crise económica no sector agrícola, agravada por desastres naturais, não dispunha de saneamento básico, nem de cuidados de saúde ou de higiene mínimos, as doenças sazonais, endémicas e epidémicas encontravam o meio ideal para propagar-se, sobretudo nas camadas sociais onde prevalecia a miséria."
A cadeia de transmissão das epidemias iniciava-se, a partir do momento em que os tripulantes e/ou passageiros (e respectivas bagagens), todos condutores de germes, estabeleciam contacto local. Foi o que aconteceu em 1856, tendo falecido mais de 7 mil habitantes.
Na altura, a imprensa regional teve um papel significativo, "não só no que diz respeito à divulgação de medidas preventivas e terapêuticas de combate à epidemia, mas também nos alertas lançados às autoridades para empreender melhorias no estado sanitário da região e ainda na divulgação das decisões tomadas em prol dos mais necessitados."
Em 1906, entre os dois surtos de cólera (1856 e 1910) houve, um contágio de “febres infecciosas”, designação oficial atribuída pelas autoridades civis à epidemia que se alastrava pelo Funchal.
"O combate à “peste bubónica” foi envolvido por contornos políticos. O Governador Civil (substituto), Dr. Pedro José Lomelino, tomou decisões imediatas com o objectivo de minimizar a difusão da epidemia na Madeira. Priorizou o isolamento dos contagiados no Lazareto e manteve prudência na divulgação das circunstâncias sanitárias. Desta forma, continha um alvoroço geral e a Região precavia-se de consequências iminentes, advindas do encerramento do porto do Funchal, caso se confirmasse e oficializasse a existência, não de doenças” infecciosas”, mas de “Peste”. Curiosamente, anos antes, a cidade do Porto tinha agido com a mesma cautela."
A DRABM recorda que "as medidas sanitárias implementadas no hospital geraram muito medo e muita revolta na população, que se deixava persuadir por todo o tipo de rumores. Não demorou muito para que o povo começasse a ver o Hospital como um necrotério e decidisse assaltá-lo para libertar os “presos”. O Dr. Balbino Rego, responsável pelos doentes do Lazareto, e o Governador Civil foram incriminados por pretenderem angariar, indevidamente, fundos monetários do governo central, ao tratarem uma doença que não existia."
A verdade é que esta epidemia de peste bubónica causou entre 7 mil e 10 mil mortos na Madeira.
Finalmente, e como referido acima, em 1910 há um novo surto de cólera na Madeira, constatada pelo Dr. Carlos França e os seus auxiliares.
"Destacado pelo Ministro do Interior para assumir o cargo de Diretor dos Serviços Sanitários da Madeira, durante a pandemia, o Dr. França e a sua equipa estabeleceram uma organização sanitária modelar que previa dotar a cidade e a população de meios de combate e prevenção à epidemia e de defesa sanitária. Tendo-se revelado eficazes, o conjunto de medidas aplicadas explicariam o número relativamente baixo de óbitos e a rápida erradicação da cólera." Faleceram 556 habitantes.
Refira-se ainda que entre os dois surtos de cólera, a Madeira sofreu ainda epidemias endémicas como a varíola, sarampo, tosse convulsa, difteria, gastrites, gripes e disenterias. "Estas doenças, associadas às calamidades sociais -alcoolismo, insalubridade, miséria e fome – marcaram presença constante na História da Madeira e contribuíram para um aumento significativo das taxas de mortalidade", salienta a DRAMB.
Pode ler mais sobre o tema em https://abm.madeira.gov.pt/pt/epidemias_madeira/.
Refira-se ainda que, a partir de hoje, fica patente uma pequena mostra bibliográfica sobre o tema em causa, na sala de leitura geral da DRABM.