Crónicas

Cancel Culture

Esta coisa da caridadezinha governamental é abjecta. Usa-se de tudo para que fique a ideia de que o Sr. Governo faz um favor e não o cumprimento de uma das suas obrigações

1. Disco: porque, como dizia a poetisa, “não podemos ignorar”, aqui fica aquele que penso que vai ser um dos melhores trabalhos portugueses de 2021: “Uma Noite Romântica com João Borsch”, dos madeirenses “João Borsch”. Um “must listen” disponível num Spotify perto de si.

2. Livro: o Instituto Mais Liberdade (do qual tenho a honra de ser um dos fundadores) é um “think tank” que procura pensar fora da bolha as questões da democracia, da economia de mercado e da liberdade individual. Tem uma biblioteca digital de fazer inveja e cujas obras estão disponíveis a todos os que queiram. Permitam que vos indique uma delas, um pequeno opúsculo de 8 páginas apenas, “As Algemas”, um texto fabuloso do nosso poeta maior Fernando Pessoa. Mais liberal, não pode haver…

3. Pepe Le Pew contribui para a “cultura de violação” segundo um brilhante cronista do New York Times. Vai daí e a personagem da Looney Tunes foi excluída do filme “Space Jam: A New Legacy” onde contracenava com a atriz e cantora Greice Santo.

A “cancel culture”, tão do agrado de umas cabecinhas iluminadas pela benfazeja luz do “politicamente correcto”, fez mais uma “malandrice” (ia usar outro termo mais pesado, mas fica assim). O coitado do Pepe Le Pew é a última vítima.

Há dias, foi o nosso Eça que foi considerado racista, na tese de uma tal de Vanusa Vera-Cruz Lima.

O que dizer da Amazon que mudou de logótipo porque uma cabecinha pensadora ali viu o “bigodezinho” do Hitler?

Isto para nem falar de mais um episódio da novela do poema de Amanda Gorman, agora ocorrido na Catalunha. Victor Obiols foi afastado da tradução porque não tinha o “perfil” adequado: mulher, jovem, activista e negra. Porra, ora cá está um livro que não posso comprar: não sou jovem, nem mulher, nem activista, nem negro. O que é que, um gajo que é velho, homem, emboseirado e branco pode comprar para ler? Aceitam-se sugestões…

Vamos vivendo com isto, nas mãos destes idiotas que se acham no direito de tudo descontextualizar, de tesoura e lápis azul na mão, uns verdadeiros censores do bem comum do século XXI.

Esta gentinha devia ter lugar cativo no inferno. E era pouco.

4. Augusta Aguiar, Secretária Regional de Inclusão Social e Cidadania, foi a São Vicente fazer a entrega de contratos de apoio para a recuperação de casas que foram afectadas pelo temporal de 25 de Dezembro do ano passado. Ou seja, foi cumprir com a obrigação que o Sr. Governo tem de apoiar quem quase tudo perdeu.

Esta coisa da caridadezinha governamental é abjecta. Usa-se de tudo para que fique a ideia de que o Sr. Governo faz um favor e não o cumprimento de uma das suas obrigações.

“Ave Estado, Sr. Todo Poderoso, Decisor Mor do Reino,

Tu Que Tudo Decides Por Nós, Tu Que Tudo Providencias,

Curvamo-nos Perante Ti, Perante a Tua Sublime Bondade.

Se Não Fosses Tu Não Éramos Nada.

Oh! Estado, Dá-nos a Salvação, Tu Que Tudo Nos Dás Com o Dinheiro dos Nossos Impostos.

Ave, Estado.”

[para os que persistem em nem sequer tentar perceber o que escrevo, reafirmo que isto é uma obrigação do Estado. O que não é obrigação de quem o gere é esta politiquice rasca de estar sempre a passar a ideia de que o Governo dá uma esmola a quem pagou impostos a vida toda, por tudo e por nada].

5. Nas comemorações dos 100 anos do PCP, esse farol de liberdade e de madrugadas de não sei quê, Jerónimo de Sousa disse: “É esse projecto que as forças reaccionárias têm na mira, como sobressai da acção revanchista do PSD e CDS e dos seus sucedâneos, Chega e Iniciativa Liberal as novas pontas de lança do grande capital, que põem pressa e pressão na concretização do seu antigo projecto.” Não invalidando o facto de uma das minhas próximas crónicas versar sobre uma análise desse brilhante documento, escrito por Álvaro Cunhal, que dá pelo nome: “A Superioridade Moral dos Comunistas”, aqui deixo um lembrete para algumas coisas, que nem são todas, que não devem ser esquecidas:

Minsk e Hong Kong, 2020

Caracas, 2017

Lituânia, 1991

Tiananmen, 1989

Afeganistão, 1979

Angola, 1977

Praga, 1968

Budapeste, 1956

Berlim, 1953

PCP, há 100 anos a apoiar repressões.

6. A notícia não é quente, mas não quero deixar de fazer um breve comentário e contar uma história. O Sr. Governo socialista do PSD e da esquerdinha “de baixo valor calórico” do CDS, assumiu as dívidas da Madeira Parques e das Sociedades de Desenvolvimento. Mas não fecha aquilo porque, como é óbvio, depois não saberia o que fazer aos que por lá estão instalados.

Ou seja, a Região vai pagar. A Região? A Região que sou eu, tu, ele… os contribuintes, que é quem já paga salários, manutenção, etc.

Fica agora a história: quando se inventou esta coisa das Sociedades de Desenvolvimento, que construíram tudo e mais alguma coisa, em conversa com pessoa grada do Governo Regional da altura, perguntei quem ia pagar por aquilo tudo. Que não me preocupasse com isso — estávamos nos idos do início de século, há quase 20 anos —, disse. “Se não pagarmos, quem nos emprestou toma posse do construído, que terá sempre que ficar cá, pois, não o podem levar para lado nenhum”. A estupefacção deixou-me sem palavras… até hoje!

7. No mesmo dia em que ficámos a saber que o sector do Turismo, que emprega milhares de pessoas e gera receitas brutais representando uma das fatias mais importantes do PIB (tanto directa, como indirectamente), vai receber um apoio de 300 milhões de euros, foi anunciada uma injecção na TAP de 463 milhões.

Isto é quase pornográfico. Quer dizer que a TAP vai receber 463 milhões de euros porque o Governo mandou fechar as fronteiras, mas também mandou fechar o comércio e a restauração, que representam milhares de empresas, e os apoios não têm nada a ver com o que vão “torrar” na companhia aérea.

Bem fez a Iniciativa Liberal que apresentou um projecto para que se realize uma auditoria à recomposição do capital social da TAP, ocorrida no ano passado, nos mesmos moldes daquela que o Tribunal de Contas realizou, em 2018, sobre a privatização e a posterior recompra de capital social da transportadora aérea. Examinando a sua legitimidade e a salvaguarda do interesse público, à luz do regime legal aplicável e das boas práticas de auditoria em matéria de transacção de participações públicas.

Clareza nesta trapalhada, é coisa que não há.

8. Ninguém é completamente livre. São muitos os condicionamentos à nossa liberdade. Acreditem que procurar ser livre, além de dar muito trabalho, é um acto de coragem. Só os cobardes são subservientes.

9. “É da liberdade absoluta, da justa e verdadeira liberdade, da liberdade igual e imparcial, que temos necessidade” - William Popple