Crónicas

O trio e a cassete

E foi assim que salvámos a banda sonora da nossa adolescência, com a qual sonhámos, namorámos e vivemos as dores do crescimento

Os programas de variedades na televisão eram ao gosto da época, pensados para pessoas como a minha mãe que avaliava a qualidade do espectáculo pelos convidados. Se tinha o Duo Ouro Negro, a Tonicha, o Trio Odemira e o José Cid então era bom, se misturavam as cantigas da moda e o rock perdia a graça e ficava ainda mais desinteressante quando o Júlio Isidro convidava estrangeiros para cantar em inglês.

A música marcava a fronteira entre gerações e era tão grande como era tão diferente o estilo do Trio Odemira do ritmo dos Duran Duran. Lembro-me de ver a minha mãe de pé, numa paragem rápida para ver o que estava a dar na televisão, sem perceber o entusiasmo das adolescentes pelo Simon Le Bon e menos ainda pelos Naked Eyes. A banda tinha só um sucesso e cantou-o vezes sem conta na passagem pelo programa de sábado ou domingo à tarde.

Mas era em inglês, o rapaz era bonito e ainda por cima aparecia num videoclipe com uma história triste e romântica. Todas as miúdas de 13 anos estavam apaixonadas por ele e não compreendiam sequer o interesse naqueles senhores de meia idade, alentejanos, que tocavam bem e cantavam melhor. O trio Odemira era a música da minha mãe e do meu pai, dos velhos, nenhum de nós perdia tempo com isso. O que valia eram aqueles artistas com cabelos espetados, com um quê de punk que enchiam a rádio com um som de sintetizador a anos luz da música portuguesa.

Todos os sábados, ao fim da tarde, víamos o Top Disco como se fosse um ritual sagrado. As bandas apareciam e morriam logo a seguir, quase todas deixavam um ou dos singles de sucesso num tempo em que trabalhar numa loja de discos dava estatuto entre os adolescentes. Quem tinha dinheiro e um gira-discos comprava os LP’s, os outros gravavam da rádio em cassetes e rezavam para que não se tornassem temperamentais. O que acontecia quando começavam a enrolar no leitor e a playlist parecia perdida para sempre.

Mas voltavam à vida uma e outra vez com paciência e a ponta de uma esferográfica BIC. E foi assim que salvámos a banda sonora da nossa adolescência, com a qual sonhámos, namorámos e vivemos as dores do crescimento. Nós tínhamos a pop, as letras em inglês, enquanto os nossos pais continuavam a admirar a música portuguesa, a ter respeito por cantores mais parecidos com eles, que lhes cantavam histórias possíveis, que lhes faziam lembrar um tempo em que tinham sido novos e apaixonados.

E ouviam na rádio ou compravam as cassetes, que a música mexia também com eles, tocava em fibras e sentimentos, despertava sensações que nos pareciam absurdas naquelas pessoas maduras como se a emoção fosse só direito nosso. Os nossos pais eram os nossos pais, no resto estavam mais ou menos mortos. E agora que tenho a idade que a minha mãe tinha quando me via sentada no sofá a ver os vídeos do Top Disco percebo como continuava a ser a mesma, a mulher que sempre tinha sido, só que mais velha, com mais rugas e cabelos brancos.

O que ficou ainda mais claro quando vi as notícias nos alertas do telemóvel. O homem que inventou a cassete foi-se na mesma semana dos irmãos do Trio Odemira.