Chuto no Rigo
Sou um grande entusiasta da ideia do Funchal poder vir a ser Capital Europeia da Cultura em 2027. Pela riqueza e diversidade que caracterizam a região, porque têm uma base de sustentação forte e espaços que têm desempenhado muito bem o seu papel como o Teatro Baltazar Dias ( muito bem dirigido ) mas também pelos muitos agentes culturais de enorme valia que se destacam permanentemente quer a nível nacional mas também internacional. O arquipélago da Madeira respira cultura quer seja pelas suas condições naturais únicas como pela história e merece por direito próprio figurar nesse restrito lote de cidades. Esta oportunidade, seria, no meu entender, uma boa forma de alavancar uma ampla visão estratégica que definisse áreas de atuação e que se pudesse constituir como ferramenta para a construção de uma forte aposta no domínio das indústrias criativas até como factor diferenciador para o Turismo.
Ora, se os dados estavam lançados e as condições à partida estariam ao dispor, afigurava-se mais uma epopeia histórica que encheria de orgulho todos os madeirenses mas também, os que não sendo, nutrem um carinho especial pela Madeira. Acontece que a bomba que caiu nos orgãos de comunicação social nos últimos dias sobre a saída do considerado artista plástico Rigo 23 de comissário da candidatura não augura nada de bom. Primeiro porque Rigo é dos mais proeminentes agentes culturais portugueses, com expressão internacional a vários níveis, sendo destaque habitual como pintor, artista plástico, muralista e ativista político em diversas publicações, um pouco por toda a parte. Se a sua escolha foi aplaudida por todos, a sua saída acaba por cercear e esvaziar a dinâmica de todo o projecto. Mas o problema é mais grave do que possa parecer. A Câmara do Funchal ao admitir que “ a autarquia convidou Rigo 23 para ser comissário da candidatura, assumindo o papel de embaixador da mesma, e funções enquanto mandatário perante os agentes culturais, a sociedade e a União Europeia” e que a visão de Rigo 23 para as funções a assumir revelou-se, “dissonante daquela que a CMF lhe tinha proposto, uma vez que o artista em causa pretendia prestar serviços de coordenação da candidatura e criar uma equipa para o efeito, o que nunca esteve em cima da mesa, nem fez parte do convite efetuado pela autarquia”, admite também que não sabe qual é o papel de um comissário numa organização desta monta e que claramente o confundiu com o papel de embaixador.
O que parece no meio esta história é que interessava retirar proveitos da imagem credível de Rigo 23 mas apenas como bibelot, como um embaixador sem funções executivas e que o artista foi ao engano. Uma vez que um Comissário ( que na área cultural é mais conhecido até como curador ) é normalmente responsável pela coordenação de todo um projecto e da sua equipa de trabalho. A palavra curador vem aliás do latim tutor "aquele que tem uma administração a seu cuidado”. Não sei por isso se o disparate foi intencional ou se foi apenas falta de conhecimento, o que é certo é que pode perfeitamente abalar as legitimas ambições tidas à partida, mesmo com algumas boas decisões tomadas, como esta última de agregar todos os municípios da Região à volta da mesma candidatura. Falhou a gestão de expectativas e falhou uma planificação inicial que deveria incluir a área de atuação do Comissário.
Urge também perceber, quais são os grandes eixos em que se sustenta esta candidatura e de que forma a implementação dos mesmos servirá para criar riqueza no pós 2027. Porque este projecto dever ser encarado como estruturante para o futuro e independente da possível vitória ( e dos milhões que a distinção acarreta ). De que forma estarão a planear a criação de infra estruturas para além do antigo Matadouro, a mitigação das assimetrias entre o centro e a periferia, de que forma pretendem complementar a arte urbana com as tradições. Quais serão as áreas de atuação e quem são os agentes que se associaram a esta iniciativa. Para já um mau prenuncio. Basta escrever no google “Funchal Capital Europeia da Cultura 2027” e aparece em destaque a trapalhada com o ex comissário. Esperemos que o chuto no Rigo não tenha sido também um chuto nas legitimas possibilidades de vitória.