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A Síndroma Pós-Covid – Razão para preocupação?

Conhecemos já bem o custo humano, social e económico da pandemia, que entra agora no seu segundo ano, com 112 milhões de infetados e, destes, um em cada 40 são fatais.

Felizmente, a grande maioria dos doentes recupera, geralmente até um mês após o início da infeção. Muitos infetados não têm queixas, são assintomáticos, alguns deles, jovens. Prevalece a noção na população que a doença só é preocupante nos mais idosos e naqueles já previamente doentes, mas não nos restantes. Hoje sabemos que não é bem assim. Agora, passados doze meses após os milhares de casos iniciais na Europa (Itália e Espanha) surgem evidencias que um número significativo deles apresenta sequelas que perduram no tempo. Evidências nos EUA e outros países consubstanciam os relatos que até 75% dos infetados mantêm pelo menos um sintoma, seis a doze meses após a recuperação inicial da Covid, em especial aqueles que foram internados.

Os ex-infetados queixam-se com frequência de fadiga crónica, que os impede de retomarem a agilidade prévia, ou dor muscular e das articulações, alterações do equilíbrio, distúrbios gastrointestinais e cutâneos. Pode haver também falta de ar e outras queixas cardiorrespiratórias, estas semelhantes aos sintomas iniciais da doença, acrescidos de um maior risco de doença coronária e AVC. Outras, mais subtis, sejam as dores de cabeça, défices cognitivos, alterações de memória, alterações do sono e depressão/ansiedade. Este quadro clínico recebeu a designação de Síndroma pós-Covid e está bem documentado.

O diagnóstico é complexo pois pode haver um misto de três situações no mesmo doente. Primeiro, as lesões diretas da Covid, em especial naqueles internados com infeção mais grave, que os deixa debilitados. Segundo, os já referidos sintomas específicos da síndroma pós-Covid. Finalmente, as doenças pré-existentes antes da infeção como a diabetes, hipertensão, cancro, obesidade, demências, etc. Um verdadeiro puzzle!

Curioso é o facto de poderem surgir alguns casos desta síndroma em doentes Covid inicialmente assintomáticos, ou com doença leve, bem como em crianças!

A causa da síndroma é incerta. Muitos admitem que a anemia, ou a inflamação causada pelo vírus nos vários órgãos, possa ser as causas principais, mas estamos longe de certezas. Há, no entanto, semelhanças entre esta síndroma pós-Covid e outras causadas por outros vírus no passado. Está bem descrito que o surto de SARS de 2002/2003 deixou sequelas semelhantes, se bem que o número de infetados foi, nessa altura, mínimo.

Para melhor apoiar estes doentes, são necessárias equipes multifuncionais experientes, com acesso rápido a meios de diagnóstico, de reabilitação e apoio psicológico, recursos estes muitas vezes insuficientes. A recuperação respiratória daqueles com doença grave é complexa pelas sequelas pulmonares. Tudo isto é muito difícil pois há todas as outras doenças não Covid que “lutam” pela mesma atenção e prioridade. Receia-se que o grosso desta responsabilidade recaía sobre os Cuidados de Saúde Primários, com frequência os parentes “pobres e esquecidos”, apesar de serem a base dos sistemas de saúde.

Mas muitos perguntarão, para que quero eu saber desta síndroma se não estive infetado ou até estou curado?

A minha experiência clínica diz-me, no entanto, que as incapacidades funcionais são muitas vezes traiçoeiras. Seja por doença, seja por sinistro. Devemos conhecê-las, identificá-las e aceitá-las. Só assim ajudarmos quem as tem. Seja um funcionário de quartos na hotelaria, agora sem a performance prévia pela sua fadiga, ou um trabalhador da construção agora incapaz de lidar com o equilíbrio em andaimes. Ou a capacidade cognitiva alterada num professor, ou o défice de atenção num motorista. Isto diz tanto respeito aos familiares ou colegas de trabalho, aos patrões ou dirigentes políticos.

A incidência da síndroma, a duração das queixas e o eventual aumento da mortalidade futura nestes doentes, não estão ainda devidamente determinados. Nem o seu custo nos sistemas de saúde. Mas, pelas evidencias disponíveis, tenho a consciência que os serviços de saúde terão que ser redesenhados após a pandemia. Para serem mais flexíveis e resilientes. Para não “funcionarem nos mínimos” pois, como vimos, em poucas semanas as exigências podem mudar radicalmente. O mesmo com o apoio social.

Se há lições a tirar desta pandemia é que os sistemas de saúde europeus, apesar de falhas pontuais, passaram o “crash-test”. Os profissionais são abnegados e a utilidade de um sistema público é agora inquestionável. Isto para servirem uma sociedade mais humana e solidária. Mas mais frágil e sem tantas certezas.

Será?