“Trade-off”
1. Disco: De PJ Harvey saiu “Is This Desire? – Demos”, e isso, só por si, é muito bom. Este trabalho da britânica reúne as demos do seu disco, com o mesmo nome, de 1998. Tudo em cru. Puro e duro.
2. Livro: “Livro de Vozes e Sombras” é o último livro do açoriano João de Melo. Uma viagem entre os Açores, Lisboa e as ex-colónias, numa escrita escorreita que faz deste livro um dos seus melhores. A história de uma jornalista que vai aos Açores entrevistar um operacional da FLA que a faz desenrolar um novelo de mentiras, de meias-verdades e de equívocos.
3. Portugal é o 3.º país do euro que menos tem gasto, na resposta à crise económica. O Ministro das Finanças não gastou, do Orçamento de 2021, 1,5 mil milhões de euros e ficou todo contente com isso. Do outro lado da cana estrebucham as empresas, aumenta o desemprego e alimenta-se uma crise social que vai ter dimensões nunca vistas.
4. A pandemia exigia que os governos, de cá e de lá, tivessem criado estratégias que permitissem gerir, economicamente, o que aí vinha. Pouco se pensou nisso. Pouco se pensa nisso. A curva económica aproxima-se cada vez mais do formato do “W”, que já aqui expliquei, para não dizer que corremos o risco de criar uma letra nova. Não é preciso ser muito conhecedor dos mecanismos sociais para perceber, logo no início de tudo isto, que não demoraria muito para o país e a região estarem perante um momento de “trade-off”, definido como um momento em que há escolhas que têm de ser feitas e que isso vai gerar conflitos.
Tenhamos presente que a situação económica não era das mais famosas, no período pré-epidémico. Sem dúvida que o Covid aumentou os “deficits” fiscais e fez crescer os índices da dívida pública. Nem poderia ser de outra maneira.
Estamos a viver a maior crise das nossas vidas. O PIB esbardalhou-se, muitas empresas estão, ou paradas, ou em vias de fechar. Sem recursos humanos e capital adequados, não há mercado a funcionar e a economia pára.
As crises são cíclicas, têm motivos diversos, e são recuperáveis. O que varia é o tempo que é preciso para essa recuperação. Para mitigar os efeitos perniciosos, são precisas mudanças políticas significativas e corajosas; é preciso pensar as coisas fora da caixa; ser criativo, de modo a tomar decisões estratégicas acertadas.
Continuo com uma grande dificuldade em entender o keynesianismo do plano Costa Silva. Tenho muito mais presente a necessidade da aplicação da bazuca, como modo de mitigar os efeitos sobre as empresas, de modo que estas possam manter o emprego. As empresas precisam urgentemente de liquidez, de injecções de capital e de garantias junto da banca que não sejam penhoras pessoais ou mais endividamento “tout court”.
Assim sendo, todos os fundos de apoio que se criem devem ser imparciais, sendo todos tratados por igual; a alocação de recursos deve ter em conta que estes são limitados e que o ciclo de oferta e da procura deve ser equilibrado; fiscalizar tudo com pormenor, de modo a punir quem procura tirar benefícios contornando o disposto; total transparência na gestão e atribuição de fundos; flexibilidade, de modo a manter a razoabilidade; contas limpas e certas, publicamente divulgadas; introdução de procedimentos que permitam a avaliação; desburocratização e aplicação de tecnologia nos modelos de gestão; ter a literacia financeira sempre presente, de modo a explicar a todos, com clareza, as medidas tomadas.
É isto que vemos? Claro que não.
5. O FMI, detestado por muitos, foi claro desde o início da pandemia, alertando para a necessidade de garantir o funcionamento dos sectores essenciais, de assegurar os recursos necessários e suficientes às pessoas afectadas pela crise e de prevenir a ruptura económica da economia. Isto, claro está, sem esquecer de garantir a segurança das pessoas e da sua saúde.
Se dúvidas houvesse, fica hoje claro que as medidas mais importantes e eficazes, neste contexto, têm a ver com o apoio ao emprego e à solvabilidade das empresas, num tecido em que as micro e PME’s representam mais de 99% do total nacional. Só pela assistência ao tecido empresarial se consegue criar a estabilidade necessária para a sustentabilidade do emprego.
Mas, ao fim de um ano, a situação não está melhor. Medidas concretas como: crédito fiscal, suspensão do pagamento da TSU, baixa de impostos (principalmente o IVA), apoios a fundo perdido, suspensão de coimas por atrasos de pagamento ao Estado, linhas de crédito a baixos juros com garantias não pessoais, crédito fiscal às grandes empresas que efectuassem doações no âmbito do combate à pandemia, etc., não foram tomadas ou foram-no timidamente.
6. Para alguns, o que faz bem são os socialismos. Sejam os socialismos da república, sejam os da região. Socialismos sem poupança nem investimento na criação de riqueza, com o Estado a tratar os cidadãos como mentecaptos e a decidir tudo por eles, sem hipótese de escolhas e com tudo formatado.
Socialismo a pataco que tudo controla, pois, como é tudo igual. Os mais iguais do que os outros, são os que sabem tudo por todos.
Socialismo do desperdício e da ineficiência, sem concorrência, porque os “inteligentes” é que sabem do que precisamos. Da regulação de tudo e mais alguma coisa, não vá o Diabo tece-las.
O socialismo modelado, como se fosse uma Telexfree, que empurra os problemas com a barriga até que a crise se instale.
O socialismo centralista e jacobino, deixando pouco espaço de manobra para o exercício da cidadania, pois vê isso sempre com maus olhos.
O socialismo sem preço livre para as coisas, de maneira que quem produz possa determinar com a menor margem de erro o que produzir, em que quantidades e em que momento.
Um socialismo sustentado na lei do governo ao invés do governo da lei, que tem como horizonte o inevitável fracasso económico, político e social.
O socialismo do saltitar de crise em crise, como se isso fosse uma inevitabilidade.
Socialismo que esfrega as mãos de contente sempre que vê a carga fiscal sobre os contribuintes a aumentar. Como se fosse um Ebenezer Scrooge de Dickens sedento do dinheiro dos outros.
Um socialismo que em vez de incentivar a ambição natural de cada um, só a permite aos “apparatchicks” da família ou do partido.
O socialismo dos “zeladores” e dos “zelotas” de uma “verdade” sustentada em mentiras e manipulações.
Para muitos, isto sim é que é bom.
Miserabilismo? Não, obrigado!
7. Na semana passada fui pôr gasolina. 30€ e tive um desconto, como sócio do ACP, de 2,46€. Paguei 27,54.
No dia seguinte, ao arrumar papéis olhei com atenção para o recibo. Ora vamos lá ver: paguei de IVA 4,97€; de ISP 16,62€; o que dá um total de 17,59€.
Ou seja, pela gasolina paguei 12,41€ por 24,61 litros.
E ainda dizem que a gasolina está cara? O caro é viver num país com impostos pornográficos.
8. “A arte da tributação consiste em depenar o ganso para obter o máximo de penas com o mínimo de gritos.” - Jean-Baptiste Colbert