Salários de fome
A semana passada o novo Presidente dos Estados Unidos apresentou uma proposta arrojada: propôs a duplicação do salário mínimo nacional nos EUA até 2025, com o objetivo de tirar milhões de estado-unidenses da pobreza. Um dos seus argumentos principais foi que pessoas que trabalham a tempo inteiro não podem estar sujeitas a salários de fome. Esta medida já foi avaliada como podendo constituir-se uma verdadeira revolução social para as pessoas mais pobres. Claro que não é consensual e o partido Republicano já manifestou a sua discordância. Mas esta é uma proposta que materializa o empenho desta administração no combate às desigualdades sociais. É também uma decisão sustentada na posição de estudos que apontam inúmeros aspetos positivos na aposta na subida dos salários mínimos: aumento da produtividade quando as pessoas sentem que o seu salário é justo e, simultaneamente, melhoria da saúde física e mental das pessoas. Por outro lado, os estudos internacionais mostram também que, onde tem havido, o aumento do salário mínimo não tem implicado o desaparecimento de postos de trabalho. Na verdade, dinamiza a economia, na medida em que com mais condições económicas as pessoas acabam por verter esse incremento diretamente na economia, aumentando a procura e, consequentemente, potenciando o mercado laboral.
Claro que esta é uma realidade que nos é impossível, pelo menos para já. Não somos um País – ou uma Região – com capacidade económica para duplicar o salário mínimo em quatro anos. Mas, à nossa medida, é possível manter o equilíbrio entre a sustentabilidade das empresas e a melhoria do rendimento disponível para as famílias, manter o equilíbrio entre um reconhecimento mais dignificante do trabalho e o mercado de emprego.
Foi só em 1974 que foi instituído, em Portugal um salário que fixasse, de facto, um valor mínimo a pagar pelo trabalho de uma pessoa, uma verdadeira conquista no que diz respeito aos direitos fundamentais de quem trabalha, já que até aí vigorava o Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933 (inspirado na «Carta del Lavoro» do Partido Nacional Fascista de Mussolini) e que não obrigava à existência de um patamar mínimo e previa o trabalho de mulheres e crianças «regulado por disposições especiais conforme as exigências da moral, da defesa física, da maternidade, da vida doméstica, da educação e do bem social.» .
A introdução desta nova medida (um salário mínimo) foi justificada como fazendo parte de «um conjunto de disposições» que possibilitassem «a satisfação de justas e prementes aspirações das classes trabalhadoras e dinamizar a atividade económica».
Desde então, houve avanços (e recuos), como a intervenção consultiva do Conselho Permanente de Concertação Social na atualização do valor do salário mínimo nacional a partir de 1987. Certo é que, desde a sua criação, um dos objetivos principais de estabelecer um patamar mínimo para o pagamento do trabalho tem o objetivo político de dignificar os salários mais baixos.
O salário mínimo nacional estipulado pelo Governo da República para o ano de 2021 é de 665 euros. Esta semana, na Assembleia, discutiu-se o valor que deve vigorar na Região para o ano de 2021. Isto acontece porque, apesar de o salário mínimo ser atualizado pelo Governo da República, as Regiões têm autonomia para rever o valore tendo em conta os custos acrescidos que a insularidade implica.
No PS-Madeira consideramos que, a exemplo do que acontece na Região Autónoma dos Açores, o valor devia refletir um aumento de 5% relativamente ao valor estipulado pelo Governo da República. Mas a exemplo dos outros anos, o Governo Regional propôs um aumento de 2,5%, que consideramos não ser suficiente para fazer face aos custos da insularidade e à realidade social da nossa Região: os indicadores referentes a 2019 dizem que continuamos a ser segunda Região do País (os Açores é a primeira) em que a população residente corre maior risco de pobreza e exclusão social: 32,2%. Mas também é significativo que os indicadores disponíveis, relativos a 2018, nos digam que também somos a segunda Região com maiores desigualdades na distribuição de rendimentos. É perante esta realidade que consideramos que o acréscimo regional ao salário mínimo pode ser uma ferramenta poderosa no combate a esta realidade – que, se consultarmos os anuários estatísticos percebemos que é crónica e não se resume a 2019 ou 2018 – e será certamente uma realidade mais acentuada em 2020 e em 2021, anos em que os efeitos da pandemia pesarão certamente nesta realidade.
Não ficamos indiferentes aos argumentos apresentados pelo Governo Regional para justificar um aumento de apenas 2,5%, nomeadamente o de que atravessamos tempos muito complicados para as empresas regionais. No entanto, consideramos que um acréscimo mais robusto poderia ser complementado numa fase inicial com medidas acrescidas de apoio às empresas especificamente para sustentar este aumento e, com isso, beneficiar as empresas e as pessoas que nelas trabalham. Esta nossa proposta, situava o salário mínimo regional em 698,25 euros. Já tinha sido recusada quando da discussão do Orçamento Regional. Mas continuamos a defender que se avançássemos para um valor mais digno isso possibilitaria uma redução em apoios sociais que não resolvem o problema a médio-longo prazo – e essa redução poderia ser canalizada para apoiar as empresas nessa tarefa.
Portanto, esta semana discutiu-se a proposta do Governo Regional, que mantém a subida de 2,5% a exemplo dos anos anteriores. Esta proposta não tem em conta, uma vez mais, os pareceres que nos chegaram das estruturas sindicais que fazem parte do Conselho Permanente de Concertação Social, e que sublinham que apesar de o Governo ter manifestado disponibilidade para negociar, na verdade não mexeu uma vírgula à proposta inicial: o acréscimo salarial para 2021 situa o salário mínimo regional nos 682 euros. Em debate, contrapusemos que, não havendo abertura para o aumento de 5%, ao menos, o Governo poderia dar ouvidos à proposta da UGT e do SINTAP, que propunha o valor de 685 euros; um acréscimo de três euros que faria certamente diferença para os agregados familiares madeirenses, e daria a impressão de que o Governo tinha ouvido as estruturas sindicais, especialmente quando, nesta altura, serve de base para o cálculo do que recebem tantas pessoas em layoff. Sem surpresa, caiu, uma vez mais, em saco roto.