Crónicas

Vergonha

Começo no ponto final de há oito dias: em plena pandemia e 13 mil mortos depois, foi você que pediu aos eminentes deputados da nação para não adiarem a urgentíssima aprovação da eutanásia? Não, mas 136 deputados, contra 78, acharam que para isso foram “mandatados”. Resta-nos aguardar a douta jurisprudência do Tribunal Constitucional, para se perceber se o Artigo 24 da Constituição — que declara o princípio da inviolabilidade da vida humana — não é, para esta gente, letra morta: se a lei não convém ao determinismo do politicamente correto das causas fraturantes, o melhor será... “eutanasiá-la”.

Portugal é, na verdade, um país que adora ser recordista de alguma coisa, geralmente do que não presta: fez o pleno em infeções e mortos covid por 100 mil habitantes; continua a ser o lugar onde mais se morre diariamente, somando aos covid as centenas de mortes não covid; um país com o maior índice de contaminação e morte em lares, e também recordista de lares ilegais; é dos países mais atrasados na vacinação, mas bastante à frente no recorde das falcatruas com “vacinas à la carte”. E, para completar o ramalhete, desceu mais uns furos no índice anual da transparência e sensibilidade à corrupção.

Que explicação para tudo isto? Não andaremos longe se pensarmos num Estado tentacular e um tanto faraónico, sem meios nem dinheiro para tal, portanto à mercê de governos pouco competentes e pouco avaliados ou fiscalizados, logo permeável aos interesses instalados, face a uma sociedade que padece de bastante iliteracia cultural e política, atravessada por desigualdades estruturais, pobreza e periferia congénita. No meio do descalabro instalado, fazemos por reforçar a nossa lista de recordes: somos o quarto país da Europa a aprovar a eutanásia, e embora na cauda do mundo quanto à pandemia, ficamos no grupo da frente quanto à morte a pedido, praticada pelo Estado. É obra!

O direito à Vida é o suporte fundamental de todos os outros direitos e valores, pelo facto simples e único de sermos pessoas humanas. O valor da vida e a sua dignidade não se deixa segmentar: ela não vale apenas enquanto autónoma, racional, produtora e feliz, para deixar de valer quando dependente, infeliz e dispendiosa. A vida e a morte formam uma unidade intrínseca essencial: uma e outra são a face dual da nossa finitude e individualidade e, como tal, perfazem aquele “bem maior” radicalmente in-divisível e in-disponível. A morte a pedido não confere ao Estado o direito de matar, pois o Estado só tem razão de existir para proteger a vida. E isto não é uma questão de “crença”, mas de princípios e valores. Não deixa de ser curioso que em vários documentos a propósito deste tema, tanto da Conferência Episcopal como do Partido Comunista Português, se encontre — certamente com motivações diferentes — uma coincidência de formulações sobre o valor absoluto da vida. E para que serve um Estado que, em vez de cuidar e proteger a vida na sua indeclinável unidade do nascimento à morte, admite dar “assistência técnica” para o seu fim? Quando tantos portugueses lutam hoje pela vida, nas condições inimagináveis em que a pandemia os colocou, e tantos profissionais de saúde consomem a sua própria vida na proteção e cuidado do seu semelhante, a legalização da eutanásia é, além de escárnio, uma decisão insensata, que relativiza valores civilizacionais a caminho da in-humanidade futura. A tribo do politicamente correto vive em sectarismo ideológico de costas para o país. Apetece dizer-lhes: para que querem a eutanásia se têm o covid e respetiva mortandade, mais a desgraça do estado a que este Estado chegou?

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