O outro lado do confinamento
O confinamento obrigatório promoveu respostas de proximidade aos mais diferentes níveis. Desde o lúdico à cultura, passando pelos momentos de humor e informação, os diretos e a acessibilidade ao que se vai fazendo por aí tem permitido a todos uma ligação ao real, facilitando a interação e a integração.
Foi necessário termos ficado todos confinados para que tivéssemos a possibilidade de entender o significado do isolamento, tantas vezes motivado por doença mental. O mundo em que vivíamos, ancorado num egocentrismo de base, era alheio às necessidades de quem, num determinado momento, não se sentia capaz de o integrar. Quem não se adaptava habilitava-se à solidão.
Tem sido com agrado, alguma surpresa e esperança que observo a evolução de pessoas que, em isolamento há anos sem esperança de retorno, agarraram esta onda de interação e começaram a acreditar no futuro e a ter vontade de se reconstruir.
Criaram-se rotinas de ligação ao mundo que não dependem apenas dos programas da rádio e da televisão impostos ou mesmo da simples pesquisa na internet. Agora, todos os que têm alguma coisa útil a partilhar passaram a ter vontade e oportunidade de o fazer. Estão presentes porque precisam de continuar ativos, precisam de sobreviver e em alguns casos porque querem e entendem a necessidade de partilhar.
Estar confinado, por perturbação ou doença mental, é estar impedido de viver, isolado , sem rotinas saudáveis nem esperança no dia seguinte. Esta mensagem de dor e sofrimento era muitas vezes difícil de ser aceite, compreendida e acarinhada. Nem sempre a família, os amigos e mesmo alguns técnicos de saúde, conseguiam aceitar este isolamento. Para muitos, a impossibilidade era chamada de preguiça ou falta de vontade de mudar. Poucos davam o passo para fazer diferente e partilhar, o que viviam cá por fora, para dentro, dos que em casa permaneciam isolados. Não tinham tempo nem criatividade, tinham preguiça e pouco tempo para abandonar as suas rotinas e encostar o ombro à cabeça do outro.
Um dia tudo mudou, o confinamento passou a ser a palavra de ordem, e com a palavra morte no horizonte o olhar sobre a vida foi obrigado a desviar-se. Afinal é possível ajustar, parar e adaptar. A criatividade soltou-se e na dor e sofrimento coletivo o mundo cresceu.
Espero que o futuro seja mais integro e consistente e que no respeito pela natureza, pela vida no planeta, pela saúde de quem sofre e de quem cuida, a doença mental passe a ter outra leitura e ação. Afinal agora todos sabemos o que é isolamento.