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Associações do património cultural pedem a Costa resolução de "grave lacuna" no PRR

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Seis entidades do setor do património cultural enviaram uma carta aberta ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura, exprimindo "estupefação" pela "insustentável ausência" da Cultura no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e reclamam a resolução desta "grave lacuna".

Uma semana depois de uma carta semelhante ter sido endereçada a António Costa, por meia centena de personalidades e entidades artísticas - numa missiva que, entretanto, já ultrapassou os 450 subscritores -, a criticar a ausência propostas de investimento do Governo na área da Cultura no âmbito daquele plano, para apresentar em Bruxelas, um grupo de entidades da área do património vem também reclamar medidas.

A carta, a que a agência Lusa teve acesso, foi enviada na quarta-feira à noite a António Costa e à ministra da Cultura, Graça Fonseca, pela Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), a Associação Portuguesa de Museologia (APOM), a Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal (ARP), a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD), o Conselho Internacional de Museus (ICOM Portugal) e o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS Portugal).

"A constatação da completa ausência do património cultural, em todas as suas dimensões, no Plano de Recuperação e Resiliência, obriga-nos a expressar publicamente a nossa estupefação e a reclamar que esta grave lacuna seja devidamente colmatada", justificam os signatários.

Consideram, na missiva, que "o argumento sobre a transversalidade da Cultura não pode servir para justificar esta desvalorização incompreensível: não é possível haver qualquer tipo de resiliência ou de recuperação do nosso país sem uma dimensão cultural forte e ativa, imprescindível para construir uma coesão social sustentada e duradoura".

"Não colhe igualmente assinalar que outros programas da União Europeia continuam a existir, e, em alguns deles, a Cultura tem lugar. O mesmo se poderia dizer de qualquer outro domínio social, e nem por isso se deixou de considerar necessário este novo instrumento de recuperação e resiliência", sustentam.

Nesta linha, apelam a "um compromisso nacional que confira à área da Cultura o protagonismo que lhe é devido, em sede e planeamento estratégico, designadamente através da inclusão neste plano de medidas que dignifiquem os museus, os arquivos, as bibliotecas, os monumentos e os seus serviços, em suma, todo o património cultural".

Recordam, em particular, a potencialidade das áreas do património cultural "na prossecução do intercâmbio virtuoso que junta memória comum, expressa em bens sólidos de contrato intergeracional, emprego intensivo e de qualidade, com imediato impacte nas comunidades locais, na geração de bens e serviços próprios, não importados nem deslocalizáveis, indutores de desenvolvimento sustentado, extensivo a todo o território e com reconhecida capacidade de atração externa".

Lembram ainda, na carta, "as obrigações constitucionais do Estado sobre a cultura e o património cultural, que devem estar sempre presentes em qualquer plano estratégico de recuperação e desenvolvimento", e propõem que o Relatório Museus no Futuro, a Carta de Risco do Património e o Plano Estratégico para a Arqueologia "sirvam de inspiração para a concretização de medidas estratégicas centrais".

"De nada servirá a transição digital na cultura e no património se já não houver cultura, se já não houver património recuperado, nem museus, arquivos e bibliotecas funcionais, com recursos humanos qualificados, bons serviços educativos, uma boa e forte ligação com as comunidades", apontam.

Alertam também para que, "se os organismos e a rede dos serviços de salvaguarda deixarem de ter os recursos e condições necessários, não será possível assegurar a manutenção e a resiliência do património cultural e territorial português".

No fim de semana, António Costa respondeu, num artigo de opinião, no jornal Público, à carta aberta do setor das artes, dizendo que eram “bem-vindos os contributos” para o PRR até 01 de março, dia em que termina a consulta pública do programa, e que existe o objetivo de considerar “novos programas ou novos projetos”.

“O projeto PRR foi colocado de novo em consulta pública, precisamente para poder ser objeto de leitura crítica, mas sobretudo para ainda poder beneficiar de novas propostas”, escreveu António Costa.

Numa entrevista ao jornal Público, divulgada na sexta-feira, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, fez o mesmo apelo que o primeiro-ministro, para que as estruturas do setor participassem na consulta pública e lembrou que “o Governo estruturou os próximos anos em torno de dois incentivos financeiros — o PRR e o quadro financeiro plurianual —, que têm de ser vistos como programas complementares. Ainda não é conhecida a proposta do quadro financeiro plurianual”.

“Está em consulta pública um plano muito importante para os próximos anos, é o momento de a sociedade civil apresentar propostas para mudar o futuro face ao que tem sido a prática do passado”, acrescentou a governante.

O PRR de Portugal, posto em consulta pública no passado dia 16, elenca 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, climática e de digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.

A chegada a consulta pública da versão preliminar acontece depois da apresentação de um rascunho à Comissão Europeia, em outubro passado, e de um processo de conversações com Bruxelas.

No plano, estão também previstos 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, apesar de ainda não estar decidido se Portugal recorrerá a esta vertente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia.