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Cada coisa a seu tempo…

Uma das numerosas consequências da pandemia no mundo das artes foi a alteração do paradigma dos concursos de música, dedicados a vários instrumentos, ao canto, à direção de orquestra, e à música de câmara, entre outros. Enquanto até há um ano a noção de concursos online, por gravações, fazia muitos puristas torcer o nariz e privilegiar o som, o ambiente sonoro e a emoção associada à criação artística ao vivo, os condicionamentos e restrições em vigor um pouco por todo o mundo fizeram com que a adaptação se tornasse essencial para a sobrevivência destes “viveiros” da geração artística entrante.

Já antes da luta que a humanidade está a travar contra o vírus SARS-CoV-2, a influência da internet foi-se tornando cada vez mais percetível, tanto na área de mundo do espetáculo como nas atividades de músicos profissionais. A música chega agora ao consumidor em qualquer momento e de qualquer canto do mundo. A criatividade está aberta perante o público mundial, praticamente sem quaisquer restrições de índole ideológica.

Neste momento existem mais de 340 concursos de música no mundo (uns 90 desses são para pianistas), sendo que a Federação Mundial engloba 122 dos mais consagrados. Além de atribuir prémios e lançar carreiras (o objetivo da maioria dos participantes), estes concursos já representam uma indústria bem organizada, cujos objetivos são tanto apreciados como, muitas vezes, contestados. Nesta “aldeia global” em que vivemos, a proliferação dos concursos e dos premiados veio a acompanhar a expansão global acima referida, pagando, no entanto, esta massificação com a perda generalizada de individualização, reconhecimento e, fundamentalmente, retorno artístico.

Depois de um curto período em que muitos concursos foram cancelados ou adiados, a grande maioria de repente “descobriu” a capacidade da internet de facilitar a sua sobrevivência e neste momento está-se a testemunhar não só à transformação de concursos para a “edição online” como ao nascimento de mais uns tantos concursos cuja realização não presencial facilita, e muito, a vida, não só aos organizadores, mas também aos participantes. E aqui é que se evidencia um equilíbrio interessante e ténue, entre a (na maioria de casos) perda da qualidade da experiência ao vivo (incluindo as variáveis da gravação e da auscultação, da adrenalina e do todo aquele aspeto “extrassensorial” mas absolutamente percetível) e as mais-valias da globalização, que agora permite, mesmo aos artistas de palmo e meio das antípodas, participar em qualquer concurso sem necessidade de se deslocar e incorrer custos apreciáveis, sem qualquer garantia de sucesso.

Já foi plenamente demonstrada a importância da arte e da comunicação através das artes, nestes tempos atribulados, para se promover e fortalecer a saúde mental, a vida emocional e a partilha da solidariedade humana. Não se deve ignorar, neste sentido, o valor destas “comunicações artísticas” de milhares de jovens, que se cruzam pelo mundo e partilham um pouco da sua realidade uns com os outros. O valor da esperança que assim se espalha universalmente. Do entusiasmo que assim, por causa do vírus, paradoxalmente, já não está condicionado pelas fronteiras e espaços físicos. “Cada coisa a seu tempo tem seu tempo”, como dizia “Ricardo Reis”, e talvez agora mesmo seja a altura certa da arte e comunicação global andarem de mãos dadas, até ao momento em que os puristas possam ver as suas pretensões novamente reivindicadas, ou então, talvez, para sempre. O futuro dirá.

Esta metamorfose evidencia-se também no nosso microcosmo regional, transformando-se o Concurso Infantojuvenil do Conservatório - Escola das Artes da Madeira, já na sua 14ª edição, num concurso online. E, se desta maneira se possam perder algumas das qualidades e experiências que fazem deste concurso uma ferramenta importante de aprendizagem e maturação artística para os jovens músicos da Região, por outro lado ganham-se habilidades diferentes, futuramente porventura proveitosas. Mas ainda mais importante, neste momento, é insistir em salvaguardar e promover o trabalho dos alunos e dos seus professores, premiar o apoio dos encarregados de educação e contribuir ativamente para a sensação de união e empatia emocional de toda a comunidade escolar, que continua a se dedicar às artes, não obstante as dificuldades que se interpõem.

Por isso, nesta altura em que decorrem as inscrições para o Concurso, só se pode desejar que sejam mais abundantes do que nunca, evidenciando assim a vitalidade da escola que neste ano celebra o seu 75º aniversário.