Não há de ser nada
O vilipendiado Serviço Nacional de Saúde tornou-se a peça essencial da Salvação Nacional
Esta fórmula mágica é talvez a que melhor define a nossa forma de ver as coisas, não de hoje, mas bem se pode dizer que desde sempre.
Não apenas nos tempos de religiosidade generalizada e incontestada. Os mais renitentes a aceitar uma religião parecem não abdicar daquele sentimento atávico que se exprime pelo título acima: não há de ser nada. E, no caso dos que têm alguma fé, essa esperança ganha foros de Intervenção Divina. Esquecendo o velho aforismo “ajuda-te, que Deus te ajudará”.
Na meu caso, a citação de adágios populares tem raízes profundas. Até com um toque ibérico: da leitura de D. Quixote de la Mancha retive, não as maluquices de D. Quixote, mas as lhanas, sensatas e práticas intervenções de Sancho Pança. A citação de sistemática de provérbios, como fonte inspiradora de decisões, fez escola.
Em tempos de pandemia, como em tempos de catástrofe, a tendência nacional mostrou os seus efeitos, nas pequenas como nas grandes coisas. Mas, de repente, o vilipendiado Serviço Nacional de Saúde tornou-se a peça essencial da Salvação Nacional, as inúteis e onerosas Forças Armadas viraram peça fundamental no combate a um inimigo para o qual, teoricamente, não estavam preparadas, e solidariedade passou de slogan de comício a exercício prático de cidadania.
E assim por diante, num encadear de fatos políticos e sociais dos quais se espera que, ultrapassada a crise, se tire algum proveito. Não o das empresas ligadas às vacinas, e atividades afins, mas o ligado a uma melhor organização da Coisa Pública.
“A quelque chose malheur est bon”, dizem os franceses; há males que vêm por bem, dizem os portugueses. E, noutras línguas, coisas semelhantes decerto foram escritas, todas no mesmo sentido. Como se poderia dizer que, sem o Terramoto de 1755, não haveria a Baixa de Lisboa, como a conhecemos; e que, sem os ensinamentos aí colhidos, os edifícios pombalinos teriam ruido em 1969.
Ao arrepio da tradição, que vai mais ao encontro do poema “Liberdade”, de Fernando Pessoa, que nunca é demais relembrar: “Quanto é melhor, quando há bruma/ Esperar por D. Sebastião / Quer ele venha ou não!”
Falou-se do Serviço Nacional de Saúde, falou-se da Forças Armadas, que são grandes Instituições, mas há coisas mais modestas, que alteraram o nosso modo de vida. Por exemplo, aulas via internet trouxeram um salto em frente na formação das camadas mais jovens que não tinham acesso a computadores.
Só que os ditos computadores chegaram com atraso na terceira vaga; após a segunda, como de costume, não havia de ser nada…