A 25 de março de 1903, o velho cruzador britânico H.M.S. Phaeton, nos seus últimos dias de serviço, aportou no Funchal, embarcando o misterioso torpedo que dias antes havia sido pescado no Paul do Mar. No mesmo dia, entre a colónia estrangeira que assiste ao animado jogo de cricket em São Martinho entre a tripulação do navio de guerra e os funcionários da Madeira Cable Company, não se encontra o irlandês Charles Power, sócio da Power Drury & Cª, exportadores de vinhos. Naquele dia nascia, na sua residência do Funchal, a magnífica Quinta Deão, uma das mais ilustres compositoras e musicólogas madeirenses do século XX, Sheila Mary Power.
A 25 de março de 1903, o velho cruzador britânico H.M.S. Phaeton, nos seus últimos dias de serviço, aportou no Funchal, embarcando o misterioso torpedo que dias antes havia sido pescado no Paul do Mar. No mesmo dia, entre a colónia estrangeira que assiste ao animado jogo de cricket em São Martinho entre a tripulação do navio de guerra e os funcionários da Madeira Cable Company, não se encontra o irlandês Charles Power, sócio da Power Drury & Cª, exportadores de vinhos. Naquele dia nascia, na sua residência do Funchal, a magnífica Quinta Deão, uma das mais ilustres compositoras e musicólogas madeirenses do século XX, Sheila Mary Power.
Os jardins da velha propriedade albergavam uma incrível quantidade das mais inesperadas espécies, vindas de toda a parte do mundo, aqui plantadas por Charles Power, fazendo com que fosse considerada, na época, um dos melhores jardins botânicos do país. Foi neste paraíso terrestre que Sheila Power viveu a sua infância e juventude, e aqui residia quando, em agosto de 1927, como mulher emancipada que era, faz com sucesso exame de condução de automóveis, tendo então 24 anos. E é no salão de música da Quinta Deão, num excelente piano Blüthner, de fabrico alemão, entre uma profusão de odorantes flores e avencas, e uma “selecta assistência da colónia estrangeira nesta ilha e de muitos nacionais da nossa melhor sociedade”, que, em maio de 1929, organiza dois brilhantes concertos oferecidos pela célebre pianista Elsie Hall, antiga professora da princesa Mary. Os jardins da quinta, profusamente iluminados “à veneziana” - com balões iluminados no interior, como ainda hoje é tradição na Madeira, nas festas dos santos populares - completavam todo ambiente de elevada distinção.
É neste espaço de eleição que funda, na década de 1930, a associação musical Music Club, inspiradora e antecessora da Sociedade de Concertos da Madeira, fundada por Luiz Peter Clode em 1943, a qual viria a ter grande relevo na vida musical madeirense entre as décadas de 1940 e 1970. Em janeiro de 1938,, o Diário de Notícias destaca o concerto da vioncelista britânica May Tukle, acompanhada ao piano por Sheila Power. E um ano depois, a 1 de janeiro de 1939, o mesmo Diário destaca o concerto da violinista May Harrisson e da pianista Virginia Mclean, ambas inglesas, executando, entre outras obras, uma muito aclamada suite da autoria da anfitriã, Sheila Power. No mesma data, o Diário dava notícia da transmissão de uma das composições de Sheila Power, radiodifundida em onda curta pela Emissora de Londres, ter sido “nitidamente ouvida na Madeira”. E em maio de 1940, reportava o Diário de Notícias um notável concerto no Music Club da Quinta Deão da cantora lírica Vera Cunha Teles, mãe da celebrada pintora Martha Telles, e de Sheila Power, ao piano, com parte da receita a reverter a benefício do Hospício e Asilo de Mendicidade e Órfãos. Entre o reportório contavam-se canções das compositoras portuguesas Julia Oceana e Laura Marques, e do compositor David de Sousa, interpretadas por Vera Teles, acompanhada ao piano por Sheila Power, e várias das composições originais da anfitriã que, considerava então o Diário, “pode afoitamente enfileirar ao lado dos mais afamados compositores modernos”. O papel da Madeira no início do século XX como importante centro turístico para as mais abastadas classes sociais europeias, levou a que algumas destas quintas se tornassem centros de convívio cultural, onde eram organizados eventos musicais e artísticos. Assim, por exemplo, com a colaboração de Marion Shanks, escritora, organiza, na Quinta do Pico da Pedra, no Monte, saraus artísticos, apresentando exposições de pintura e levando à cena peças de teatro de autoria sua e de Shanks.
A procura do belo, aliada à fé católica, viria a gerar em Sheila Power o desejo de fundar uma ordem religiosa, servindo-se da arte como meio de chegar a Deus, para a qual consegue autorização de Pio XII para funcionamento a título precário, embora sem aprovação oficial. Após a venda da propriedade familiar, a Quinta Deão, em parceria com a sua amiga Marion Shanks, já doente, instalam o pequeno convento das Companheiras de Boa Vontade em Cristo na sua Quinta da Boa Vontade, em A-da-Beja, nos arredores de Belas. Após a morte de Marion Shanks, agora madre Clara das Cinco Chagas, em 1959, vende a propriedade ao governo português, para que nela se instale um asilo de crianças com problemas mentais, gerido pela Casa Pia de Lisboa. Viveu depois na Praia das Maças, e em Sintra, onde veio a falecer a 8 de maio de 1971.
Apesar se desconhecer o paradeiro da maior parte das suas composições, conhecem-se no entanto algumas peças para canto e piano, entre as quais duas sobre textos de Gil Vicente, “Vilancete” e “Viagem Sagrada”, sendo as restantes sobre textos ingleses, escritos por Marion Shanks, Margaret Mines Walker e por si própria (“Oh, Incredible Beauty”), indicadas a Luiz Peter Clode pela cantora lírica Estela Tavares, ela própria um dos nomes que havia marcado presença nos recitais e concertos da Quinta Deão.