Resiliente será quem recusar logros
As empresas definham e o estado saliva. A “bazuca” não passa de bomba de cheiro
Quem submeteu a componente regional do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) equivocou-se. E o embuste tem reflexo nos montantes disponibilizados, dada a disparidade entre a estimativa inicial, que apontava para cerca de 700 milhões de euros, e os 561 milhões de euros definidos oficialmente como fatia a absorver pela Região. Mas também nos propósitos.
O PRR não é um PPR, mas parece. Quem o desenhou - e havemos de saber quem foi - preocupou-se mais com a sua reforma e com as benesses de todos os que gravitam em torno da pesada máquina estatal do que com a retoma eficaz de toda a economia real.
Quem escreveu a prosa falhou no planeamento e denotou ter tiques centralistas, os mesmos que os autonomistas não apreciam na tribo do Terreiro do Paço. Isto porque os municípios ficaram a ver o envelope financeiro migrar para outras paragens do sector público e os empresários, sem tempo para almoçar, nem convite para ir à Quinta Vigia, assistem, incrédulos, a fartura passar-lhes ao lado. Nos Açores, o eterno termo de comparação, quem lá manda ou mandava considerou ser recomendável ‘Recapitalizar o Sistema Empresarial’, com 125 milhões de euros. Jogou pelo seguro pois de pouco vale a uma empresa em agonia ter linhas de crédito e verbas para apoiar projectos privados nas diferentes áreas. Na Madeira tamanha injecção vital tarda e é dada aos soluços, mas só depois da obediência cega à burocracia e aos lapsos de memória. Já agora, onde anda o de “kit de sobrevivência” de 30 milhões de euros, anunciado por Rui Barreto, o tal robusto SI Funcionamento de 2021 que devia ser lançado em Janeiro, com referência às despesas de 2020, para ajudar a tesouraria das empresas logo no início do ano?
Quem quis fazer do Plano da pólvora uma mera bomba de cheiro limitou-se a transpor para nova folha de excel os investimentos que não tiveram cabimento noutras aventuras estruturais e simplesmente reanimar o Estado que, comprovadamente, já é excessivo na nossa vida colectiva e ainda quer devorar mais, ao chamar a si as melhores doses do novo bolo.
Quem resolveu fortalecer as respostas sociais e dar expressão à política assistencialista que rende votos, mas não resolve dependências, subverteu princípios ancestrais, nomeadamente aquele que se multiplica em vários manuais. Este governo prefere dar peixe, sabe-se lá em que condições, do que ensinar a pescar. E é por isso que pede apoios para construir habitação social em vez de gerar empregos e riqueza que o dispense de tamanha empreitada.
Sejamos resilientes. A “bazuca”, agora “vitamina”, ainda está em consulta pública, processo em que, ao contrário dos actos médicos e cirúrgicos, não há lista de espera. Por isso, o melhor mesmo é intervir com seriedade e ponderação, pese embora o facto desse sublime gesto de cidadania não ser muito apreciado na ilha. Ainda recentemente, uma secretária regional surgiu em público deveras incomodada com a adesão significativa das associações ambientalistas à consulta pública alusiva ao caminho da Ginjas.
Não se inibam pois os que têm motivos de sobra para desconfiar das boas intenções de quem gere mundos e fundos e que habitualmente ilude desprevenidos com milhões que ninguém vê. Devem intervir os privados de mãos a abanar, fartos de falsas promessas e engenharias financeiras. Devem intervir os que questionam caprichos domésticos, acompanhados de reclamações genéricas de verbas que não se enquadram nas três dimensões do PRR, ou seja, a resiliência, a transição climática e a transição digital? Devem intervir todos aqueles que já toparam que há quem queira transformar a “vitamina” em caldo da romaria. Desde quando é que as verbas indexadas ao Plano são para gastar na melhoria das infra-estruturas portuárias - que até foram poupadas neste defeso -, por muito que sejam “fundamentais e estruturantes” para a economia regional?
É bom que os apoios concebidos para que seja possível recuperar da crise pandémica, mas que alguns querem transformar naquilo a que estão mais habituados, não sejam desviados. Nesta terra há mais lesados do que endinheirados.