Qualificar para produzir mais e melhor
Em Economia existe um conceito fundamental, mas muitas vezes esquecido nas discussões públicas, que é do Valor Acrescentado. Todos os leitores conhecem (ou já ouviram falar) o IVA que é um imposto sobre o valor acrescentado, mas o que é o valor acrescentado?
Vejamos um exemplo simples: pensemos num produto (uma refeição num restaurante) que é vendido por um certo valor, digamos 30€. Se para produzir-se esse produto a empresa teve que gastar um certo montante em materiais e serviços (20€), então o valor acrescentado é a diferença entre o valor recebido e o montante gasto em materiais e serviços (com os dados acima o valor acrescentado é de 10€).
Parte do valor acrescentado é gasto a pagar o imposto sobre o valor acrescentado e o restante paga os fatores produtivos, em particular, o salário dos trabalhadores. Não podemos pensar em ter uma sociedade com salários mais elevados se não tivermos produção com maior valor acrescentado e o grande problema em Portugal é termos muita produção com baixo valor acrescentado.
Uma forma de aumentarmos o valor acrescentado é conseguirmos que os produtos sejam vendidos por preços mais elevados.
Um agricultor que passe a produzir de forma biológica consegue vender os seus produtos a preços mais elevados e se os custos de materiais usados não se alterarem muito então passa a ter um maior valor acrescentado por unidade vendida. No entanto, surgem duas questões: 1) a quantidade produzida mantém-se ou não? É que para o produtor o que lhe interessa é o valor acrescentado total, ou seja, o produto do valor acrescentado unitário pela quantidade vendida; e 2) o que se vai passar no mercado? Se todos os produtores passarem a produzir de forma biológica, então a oferta aumenta e o preço diminui, o que leva a uma diminuição do valor acrescentado esperado.
Como vemos o grande desafio é aumentar o valor acrescentado, mas este desafio não é fácil porque temos que ter em consideração não só o lado da oferta como também o lado da procura. Uma certeza tenho: para conseguirmos vencer este desafio temos que ter trabalhadores com múltiplas competências que lhes permitam adaptarem-se rapidamente a novos setores de produção ou a novas formas de produção com maior valor acrescentado.
A continuarmos a pensar que depois da pandemia tudo vai voltar ao mesmo é, a meu ver, perdermos a oportunidade de repensarmos o que produzimos e como o produzimos. Neste tempo de paragem há que aproveitar para requalificar a mão-de-obra para que quando voltarmos à dita normalidade o que se produza seja mais valorizado e os trabalhadores possam auferir de melhores salários.
Parte da tão badalada “bazuca europeia” devia ser afetada à qualificação da mão-de-obra a pensar no relançamento da Economia no futuro. Em muitos setores o relançamento e a sobrevivência dependem da capacidade para se adaptar a uma nova realidade o que exige uma reinvenção da sua forma de produzir.
A nossa ambição deve ser termos uma Economia onde os trabalhadores ganhem o suficiente para viverem dignamente e ainda consigam fazer alguma poupança para enfrentarem imprevistos e, portanto, possíveis crises sem serem arrastados para a pobreza. Assegurar a sua qualificação é garantir a possibilidade de mais e melhor produção bem como melhores salários e, como tal, capacitar para a resiliência.