Editores europeus apelam ao Governo para que reconsidere fecho de livrarias
A Federação Europeia de Editores enviou hoje uma carta ao Governo português, apelando a que permita que livreiros e lojas legalmente abertas vendam livros, à semelhança da maioria dos países europeus que, no mínimo, autorizam a venda ao postigo.
Com o título "Manter o livro acessível a todos e em todo o lado", a carta enviada pela federação representativa de 29 associações de editores nacionais de livros, de revistas especializadas e de conteúdos educativos, em todos os formatos, na Europa, pedem que o Governo português reconsidere a sua decisão de fechar as livrarias e proibir a venda de livros em lojas autorizadas a operar.
"Hoje, editores de toda a Europa pedem-lhe respeitosamente que reconsidere a sua posição relativamente à reabertura dos pontos de venda de livros em Portugal. Infelizmente, o setor do livro português já sofreu um declínio nas vendas de quase 20% em 2020, enquanto os mercados do livro na maioria dos grandes países europeus sofreram diminuições muito menos severas", escreve a Federação Europeia de Editores (FEE).
Segundo dados da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), o facto de os níveis de leitura em Portugal serem inferiores aos da maioria dos países europeus, de o consumo de digitais ainda ser muito baixo (por exemplo, o uso de Kindle ou 'ebook') e de as tecnologias não serem acessíveis a uma grande parte da população, fizeram com que Portugal fosse o país que mais perdeu em vendas e livros, no ano passado, devido ao confinamento.
Para a FEE, "impedir os cidadãos portugueses de adquirirem livros nos pontos de venda que permanecem legalmente autorizados a abrir, num país que já sofre de falhas de leitura sistémicas, corre o risco de agravar o impacto económico no setor, ao mesmo tempo que põe desnecessariamente em perigo a diversidade cultural".
Isto, não obstante reconhecer "plenamente" que a "situação sanitária é dramática e que devem ser feitos todos os esforços para travar a propagação da covid-19", mas alerta para o risco de as medidas adotadas em relação ao setor livreiro resultarem em menos livros publicados e menos novos escritores chegarem alguma vez ao seu público.
"Isto terá consequências duradouras para a literatura e para a leitura, pondo em risco todo um ecossistema", salienta.
Para a federação europeia, "um país que se orgulha da sua cultura e especialmente da sua literatura não deve proibir totalmente o acesso aos livros, mesmo que as livrarias devam permanecer fechadas por razões de segurança".
"Impedir os cidadãos de comprar livros onde quer que possam e permitir que apenas os canais 'online' operem num país onde as vendas de livros 'online' representam apenas 8 a 9% das vendas globais de livros é uma séria restrição ao acesso universal a um bem essencial", acrescenta.
Usando outros países europeus como termo de comparação, a FEE salienta que os respetivos governos, forçados a fechar todos os pontos de venda não essenciais, "têm apoiado o setor do livro, por exemplo, injetando fundos para compras públicas massivas de livros, através de livrarias locais, para melhorar as coleções das bibliotecas públicas".
"Infelizmente, os fundos atribuídos até agora pelo seu governo não conseguiram apoiar adequadamente uma indústria que representa dezenas de milhares de postos de trabalho. Se os escritores, editores e leitores não forem autorizados a vender e a comprar em pontos de venda que permaneçam abertos, Portugal arrisca-se a assistir ao maior declínio de editores e livrarias desde 25 de Abril de 1974".
A terminar a carta, assinada pelo presidente, a FEE pede "solenemente" ao executivo português que "permita às livrarias realizar vendas sem contacto, às suas portas, e que permita a venda de livros através de outras lojas que legalmente permanecem abertas".
A FEE apela ainda à reserva de "fundos adequados" para apoiar o setor do livro e ajudar todos os atores da cadeia de valor do livro a ultrapassar esta crise.
A APEL já se tinha queixado das "ajudas absolutamente insignificantes" que foram destinadas ao setor do livro, afirmando não entender como é que a comunicação social recebeu 15 milhões de euros, a cultura, 48 milhões, e o setor do livreiro e editorial recebeu 500 mil euros, numa primeira fase, e 600 mil euros agora.
"Como Presidente do Conselho da União Europeia, o seu exemplo poderia constituir um farol de esperança para o setor europeu do livro e pedimos-lhe que afete montantes suficientes da 'Next Generation EU' [pacote de recuperação da União Europeia] à cultura e, em particular, à edição".
Esta não é a primeira vez que a FEE intervém junto do Governo português em defesa dos editores e livreiros. Em abril do ano passado, a federação escreveu uma carta à ministra da Cultura, devido à ausência de políticas nacionais para o setor, que atravessava uma situação "extremamente grave", na qual sugeria medidas já adotadas por outros países da Europa.
No dia 15 de janeiro deste ano, as livrarias portuguesas voltaram a encerrar e os espaços que se mantêm abertos por venderem bens de primeira necessidade, como os hipermercados, foram proibidos de vender livros, de acordo com as novas medidas de combate à pandemia de covid-19 anunciadas pelo Governo, face ao agravamento da situação epidemiológica no país.
A APEL acusa o Governo de ter uma atitude "proibitiva e censória" sobre o livro, promovendo a venda clandestina típica do Estado Novo, e avisa que o setor está à beira da primeira falência massiva.
Até ao momento, o Ministério da Cultura ainda não anunciou medidas específicas para este setor, mas já fez saber que na quarta-feira se vai reunir com várias entidades, incluindo a APEL, para ouvir todas as questões e propostas relacionadas com o setor.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.227.605 mortos resultantes de mais de 102,8 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 12.757 pessoas dos 726.321 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.