Carta à solidão
Porquê? O porquê de um último adeus na escura solidão?
Isto não é um simples até já. Falamos de adeus, de um fechar de olhos eterno, não mais sentir a bonita alma que deixou a terra firme.
Hoje partiste sozinha, em quatro paredes brancas, com o cheiro nauseante a hospital, rodeada de desconhecidos de máscara sem nenhum sorriso à vista. Só posso imaginar os teus olhos na procura do conforto.
Não pude falar-te, escutar-te, olhar-te. Porquê?
Preocupamo-nos em demasia com as efémeras demonstrações sociais ridicularizadas que nos chegam todos os dias aos nossos dispositivos. Rimos, compartilhamos, sentimos empatia e até alguma pena mas,. Preocupas-te realmente com a demonstração social ou perdeste-te nas variadas invenções tecnológicas que encheram o teu ego? Hoje não te preocupaste.
É tão fácil fazer chegar uma última palavra nesta tão próspera era, quase tão fácil que se perde na simplicidade do ato.
Não podemos permitir. Não podemos deixar ir na solidão. Passamos um mal estar incrédulo que nos fez unir, diriam alguns, mas a verdade? A verdade é que continuas a permitir a voz à solidão. Já imaginaste sentir na pele a perda do teu eu… sozinho?
Não. Eu também não, mas hoje parte de mim morreu por saber que não me despedi, que não te disse que te amava uma vez mais e tanto, mas tanto, insisti. Ignoraram-me e iludiram-me com o pensamento que te iria ter nos meus braços muito em breve. Acreditei eu nas palavras sábias de quem unicamente as pode dar.
Confundimos a humanidade com a maquinaria. Damos lugar às máquinas e perdemos a humanidade. Damos voz às políticas que não sociais. Estamos nas mãos de heróis que nos levam momentos. Momentos finais que não têm novo capítulo.
Estive todos os dias do teu lado. Estiveste todos os dias ao meu lado. E no fim? Roubaram-me a nossa despedida. Só queria falar-te e dizer que estava aqui, que o meu pensamento eras tu e que daria o mundo para tocar no teu rosto uma vez mais. Uma última vez!
Roubaram-nos a nossa despedida.
Laura Conceição