Apagão e vazio na maior cidade do Brasil após Carnaval cancelado
O cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida São João, no centro de São Paulo, a maior cidade do Brasil, estava vazio hoje de manhã, num sábado de Carnaval diferente, sem pessoas mascaradas, purpurinas, música ou festa nas ruas.
Há um ano o mesmo cruzamento, citado na música 'Sampa', de Caetano Veloso, reunia milhares de pessoas na concentração do bloco 'Tarado Ni Você', cujo repertório reúne músicas do compositor baiano que eternizou este lugar da cidade.
Este ano, porém, a pandemia de covid-19 que já causou mais de 237 mil mortos e 9,7 milhões de infetados no Brasil, provocou o cancelamento das festas carnvalescas na maioria das cidades do país.
Em São Paulo foram cancelados e proibidos desfiles de blocos, festas de rua, eventos fechados e os desfiles das escolas de samba.
Alan Ferreira Borges, porteiro do Bar Brahma, fundado há mais de 70 anos no icónico cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida São João, relatou à Lusa o vazio que está a sentir sem os festejos de Carnaval, após um ano de restrições e distanciamento social para combater a pandemia.
"No ano passado isto aqui estava cheio de gente, muito bom, muita festa. Sinto um apagão, uma tristeza, um vazio, sem as pessoas na rua. Está tudo muito estranho o Carnaval deste ano", disse à Lusa.
"Acho difícil ficar sem Carnaval e o brasileiro ainda não engoliu isto de não ter Carnaval, mas, na minha opinião, o evento tinha mesmo de ser cancelado. Não tem como fazer esta festa sem aglomeração, durante uma pandemia", acrescentou.
Embora a covid-19 já tivesse sido detetada na China e em alguns países da Europa nesta mesma época do ano passado, o Brasil registou o seu primeiro caso da doença em 26 de fevereiro, precisamente durante o Carnaval e, portanto, a festa foi realizada em todo o país sem nenhuma restrição.
Em São Paulo, o Carnaval de rua de 2020 atraiu 15 milhões de pessoas e movimentou cerca de 2,7 mil milhões de reais (cerca de 410 milhões de euros, na cotação atual) na economia local, segundo dados divulgados pela prefeitura de câmara.
Somados aos 227 milhões de reais (42,5 milhões de euros) movimentados pelo Carnaval no Sambódromo, o total de receitas geradas nesta festa na maior cidade do país foi de quase 3 mil milhões de reais (460 milhões de euros).
Ao todo, foram 678 desfiles ocorridos nas ruas da capital paulista em três semanas, incluindo festas e desfiles de abertura e de encerramento, que geralmente acontecem uma semana antes e uma semana depois dos dias oficiais do Carnaval.
Em número de participantes, o Carnaval de São Paulo foi maior do que o do Rio de Janeiro, onde mais de 10 milhões de pessoas circularam nas ruas durante o feriado no ano passado.
O aumento do público nas festas carnavalescas de rua fez com que São Paulo se consolidasse dentro do circuito brasileiro como um dos principais destinos turísticos durante o Carnaval, rivalizando com o Rio de Janeiro, Recife, Olinda e Salvador e algumas cidades de Minas Gerais.
Esta ascensão foi interrompida em 2021 pela pandemia de covid-19, que causou também impactos económicos no bolso de milhares que trabalham na cidade em função do Carnaval nesta época do ano.
Lanuy Santos Campelo, que trabalha numa loja de bebidas e doces na Praça da República, lembrou que no ano passado o local estava lotado de consumidores.
"Estava bem movimentado aqui. Este era um dos pontos principais do Carnaval no centro da cidade. Na parte dos negócios, durante o Carnaval, conseguíamos lucrar um pouco mais. Ficamos abertos e ganhamos um pouco mais de dinheiro com a folia dos outros. Agora vamos ver se conseguimos nos manter, muitas lojas por aqui estão a fechar por causa da pandemia", contou.
Na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, região que também é conhecida pelos blocos de rua e pelas festas nesta época do ano, a falta de festejos espelhava a mesma sensação de vazio.
Lojas de todos os tipos permaneciam abertas, mas havia poucos clientes. Poucos carros passavam pela área, geralmente movimentada. Os restaurantes estavam vazios. Ninguém estava mascarado e não havia carros de som ou música nas ruas.
Nada lembrava o Carnaval do ano anterior, quando milhares de pessoas se concentraram ali para acompanhar dezenas de blocos de rua, que desfilaram em sequência por cinco dias.
A calma e o vazio foram quebrados por um pequeno grupo reunido na frente do 39.° cartório de registo civil, que funcionou normalmente porque o feriado de Carnaval foi oficialmente cancelado.
Heloísa Domingues Paim Batista, uma jovem noiva de 22 anos, acabava de oficializar a sua união com Vinicius Simões Batista na presença de um grupo de familiares e amigos. Ela contou à Lusa que decidiu casar no Carnaval porque vinha adiando o evento desde o ano passado.
"Por causa da pandemia nós tentamos postergar a data. Originalmente nosso casamento seria para mais de 300 pessoas. Postergamos a data, mas como vimos que não há uma perspetiva concreta de quando a pandemia terminar decidimos casar agora. E, no fim, o dia que [o cartório] tinha para realizar a cerimónia era este sábado de Carnaval", explicou.
"Sem Carnaval acho que foi mais tranquilo casar porque no final sempre dá algum problema com o cabelo ou com a maquiagem", brincou a jovem noiva.
Heloísa Baptista não se deixa abater pela falta de festa no seu casamento e nas ruas da maior cidade do Brasil: "Está sendo Carnaval do mesmo jeito porque gostamos de bagunça, mas sempre preferimos ficar com a família e os amigos".