Esperança
A crise económica, ao ser tão assimétrica mais que pôr a nu as desigualdades existentes, agrava-as
Depois de um ano marcado pelo sofrimento, pela angústia e pela morte, em que a pandemia da Covid-19 colocou o nosso mundo de pernas para o ar, a viragem de 2020 traz sinais de esperança. A esperança é o sonho do homem acordado. Esperança também é a frase de um homem a quem poucos são indiferentes, Nelson Mandela: “A esperança é uma arma poderosa e nenhum poder do mundo pode livrar-se dela”.
É com Esperança também que acolhemos o novo ano.
Em 2020, contra muitas expectativas, a União Europeia, liderada pela alemã Ursula von der Leyen, conseguiu dar uma resposta forte, capaz e unida à pandemia, com uma “bazuca” de ajuda à recuperação financeira e económica dos 27 Estados-Membros e com um programa solidário de vacinação para todos os países. Os resultados da vacina e os milhões de ajuda são fortes sinais para acreditar num 2021 melhor.
Sinais de Esperança que também nos chegam do outro lado do Atlântico, com a saída de um populista errático e perigoso da liderança da maior potência do planeta. Será que a derrota de Donald Trump e a vitória Joe Biden podem ser um sinal para o início do fim dos populismos que assolam o planeta?
Se os americanos elegeram em 2016 um fanfarão demagogo e impreparado, era possível suspeitar que o fizeram por desconforto, por raiva ou, simplesmente, por pretexto contra a sua adversária. Mas se tantos insistiram em Trump em 2020, depois de anos de erros, de mentiras, de logros, de falsas promessas, de perturbações e ameaças, de cumplicidade com a guerra racial ou cultural, de falta de transparência em questões cruciais como os impostos, é porque a democracia se tornou uma moeda de escasso valor facial. Não é a velha clivagem saudável entre esquerda e direita, entre progressismo e conservadorismo que está em causa: é a oposição entre a decência e a falta de escrúpulo. Se a democracia hesita nesta escolha, é porque se tornou uma banal formalidade.
A incerteza é uma fonte de medos, insegurança e conflitos. É propícia ao aparecimento de iluminados políticos, que reduzem a complexidade dos factos a duas ou três frases, e as soluções a um par de slogans. Por isso, há que estar atento e combater todas as formas de demagogia e mentiras políticas, de que se alimentam os populismos de todas as matizes.
Nestes tempos de incerteza, a eleição de Joe Biden é uma esperança para o mundo: goste-se ou não, a América é um farol da democracia; e esta prova de apego aos valores da liberdade que os americanos deram deve servir-nos de guia e de exemplo, para afastar os fantasmas da demagogia populista e reforçar o nosso apego à liberdade e à democracia.
Independentemente da luta de interesses, percalços ou erros que ocorram nos próximos quatro anos, Biden lembrou ao tomar posse, que tentará sobretudo apaziguar os ânimos. Voltar a vestir a pele de unificador, manifestada na igreja de Saint-Mathews, sobejamente elogiada pela maioria dos americanos incluindo rivais. “A história americana depende de todos. Esta é uma grande nação, somos boas pessoas. Mas temos muito por fazer, por reparar e por ganhar. História, fé e razão mostram o caminho da união… Sem unidade não há paz, apenas fúria e amargura. Nenhum progresso, apenas indignação exasperante. Não há nação, apenas um estado de caos. Este é o nosso momento histórico. A união é o caminho a seguir”, declarou Joe Biden.
A posse e o discurso do novo Presidente dos EUA não podiam ter sido melhores. Ao fim de quatro anos, como afirmou Joe Biden, os Estados Unidos ergem-se de novo para o nível que sempre tiveram, e a “democracia prevaleceu”. Todos os apelos à unidade do povo americano, todas as medidas a favor do multiculturalismo, todo o discurso de firmeza, mas baseado na reconciliação, fazem de Biden o homem certo, na hora certa, no local certo. Espero que a Europa, agora em tempo de presidência portuguesa, saiba aproveitar a mudança em Washington para reafirmar o atlantismo e que Portugal, como outros países europeus, não se permita perder este seu activo, fundamental desde o século XVI.
A crise económica, ao ser tão assimétrica mais que pôr a nu as desigualdades existentes, agrava-as. 2021 vai também ser o ano em que percebemos melhor o impacto social e económico desta crise, com os assustadores números de falências e desemprego.
A esperança que nos traz a vacina neste virar do ano é, no final de contas, apenas a certeza de que, superada esta crise superlativa, muitos mais problemas teremos que resolver.
Para isso, uma entrada enérgica é fundamental para catapultar a América para longe do drama recente. Durante o período de transição (Biden) deu sinais de que irá focar-se nos assuntos que interessam, ignorando o que vai no Twitter, símbolo da cultura perpetuada por Trump, que guiou os revoltosos à invasão do Capitólio a seis de Janeiro.
O combate á pandemia, a recuperação económica, o alívio das tensões raciais e a gestão da polarização política, sentimento expresso de forma clara durante o ataque ao Capitólio, surgem como prioridades imediatas para Joe Biden.
“A América está de volta, pronta para liderar o mundo. Mais uma vez, estamos sentados à cabeceira da mesa. Prontos para confrontar os nossos adversários e não rejeitar os nossos aliados. Prontos para defender os nossos valores”, declarou Biden em finais de Novembro.
Foi num contexto particularmente difícil, ao qual acrescem agora os efeitos disruptores na saúde pública e na economia da pandemia da Covid-19, que Joe Biden assumiu a presidência dos EUA, a vinte de Janeiro de 2021. Veremos como ficará na história futura de uma América em (in)evitável declínio.