“Calheta e a posse de terrenos à moda do faroeste”
Práticas irregulares em terras do oeste madeirense, cujo cadastro cartográfico tem sido deliberadamente atrasado há anos, evidenciam uma cadeia de favores complexa.
Em Agosto de 2020 quando, aqui neste matutino, afirmei que existiam quadrilhas instaladas para desviar dinheiro público, alguns puritanos correspondentes dos canais generalistas da televisão sentiram-se extremamente incomodados. Chegaram, mesmo, a afirmar que essas denúncias dariam “um resultado prático, igual a zero” (sic).
Incomodados, pelo anos e anos a tentar informar e a investigar de acordo com aquilo que o seu dono aconselha, alimentam muitas vezes a bilhardice. Mas nunca tiveram a coragem e a maturidade para denunciar e entregar às autoridades muitos dos dados que colheram. São os chamados guardiões da continuidade “mafiosa”.
Recentemente foi notícia que as Finanças indeferiram e rejeitaram vários requerimentos de reclamação de área no Concelho da Calheta, após uma queixa apresentada pelo JPP ao IFAP e à Inspeção Geral das Finanças (IGF). Em causa, estão quatro projetos apoiados pelo PRODERAM 2020, do Sítio das Pedras Ruivas, Fajã da Ovelha.
De uma área de 30 hectares que, eventualmente, os proponentes diziam ser da sua propriedade por direito, apenas pouco mais de um hectare correspondia ao titular inscrito e proprietário da matriz predial inicial. Factos estes, dados e provados por ação da Inspeção Geral das Finanças, após pedido de auditoria do JPP.
A obtenção de fundos comunitários e de verbas do orçamento regional pode assentar num esquema doloso e fraudulento que tem como, modus operandi, a utilização da figura, vezes sem conta, do requerimento de reclamação de área. Fazem-se, depois, escrituras de justificação notarial; realizam-se vendas, contratos de comodato, e apropriam-se de terrenos de terceiros, alguns dos quais de propriedade pública. Depois, candidatam ao PRODERAM áreas altamente especuladas, de propriedade de terceiros, da qual não têm titularidade legítima.
Um dos casos, que esteve mais de 5 anos nas Finanças da Calheta à espera de serem homologados, pretendia justificar a posse de um terreno nas Pedras Ruivas (Fajã da Ovelha, pretensamente usurpados à população e ao Município da Calheta), que possuía uma área matricial inicial de 1500m2 e a pretendia reclamar para 70 120m2, ou seja, um aumento fraudulento de mais de 4574%. Áreas, que são atualmente financiadas pelo PRODERAM!
Apesar de previamente alertado, desta prática de favores em cadeia – e que não é um caso isolado – Miguel Albuquerque veio abençoar, em Agosto de 2020, esse projeto e afirmou que “ estava de acordo com a documentação apresentada”. Ora o presidente do Governo tem de vir a público desmarcar-se desta descarada extorsão, perante populações indefesas. Se não o fizer, está a proteger alegadas redes à moda do “faroeste”.
Recorde-se que foi a própria Autoridade Tributária da Região, após queixa do JPP à IGF, a reconhecer que o processo está inquinado.
Em causa, só neste caso da Fajã da Ovelha, estão mais de 2 milhões de euros de fundos europeus e regionais. Estão quase 30 hectares a ser financiados pelo PRODERAM e pelo IFAP, mas na realidade apenas 12,300 mil metros correspondem, na prática, aos prédios originais. Um caso a ser investigado pelo Ministério Público.
Já existindo verbas transferidas pelo IFAP, tendo por base áreas florestais que não são da titularidade dos beneficiários, deve a Inspeção Regional de Finanças, IFAP e PRODERAM agirem rapidamente, e em conformidade.
A responsabilidade determina que terá de ser realizada uma auditoria, independente e célere, a todos os projetos do PRODERAM 2020, sobretudo nas sub-medidas respetivas, nas áreas que não se encontram cadastradas, e em especial aos projetos assentes em contratos de comodato.
Infelizmente este não é um caso isolado. A rede é mais densa e complexa, e o peixe da rede tende a ser graúdo.
Post Scriptum. No lado de Santa Cruz foi recentemente criada uma nova coligação de interesses que junta a ala mais radical, desordeira e difamadora do PSD/CHEGA. O palavreado e as acusações, sem provas, são tantas que disparam, a torto e a direito, e não olham a meios. Ventura e Albuquerque têm de intervir, a bem de democracia, da educação e do humanismo institucionais.