Este Portugal encurtado
O meu país está mais pequeno e pobre. E nem é pelo avanço do mar no contexto das alterações climáticas. Instalou-se no meio de nós uma linha-de-montagem em série, onde se dilui emprego, saúde e vida. Produz-se vazio, angústia e medo com grandes promoções. Morre-se muito, sem ruído, nem cheiro de pólvora ou sequer densas colunas negras, mas a esperança esfuma-se em céus límpidos e embebidos dum sepulcral silêncio. Um ano após da chegada oficial da pandemia, estamos a ser “bombardeados” por infeções e mortes, como o “raid” aéreo de Dresden na IIª Guerra Mundial em 1945, levado a cabo pelos britânicos e aliados americanos sobre alvos civis. Em abril do ano passado assistimos a cenários inimagináveis numa Itália apanhada de surpresa, sem aviso, enquanto um Portugal de heróis do mar, trancava-se a sete-chaves com uma expressão residual da pandemia. Passado quase um ano, com tempo de preparação e com oportunidades de planeamento, Portugal atingiu, há dias, o pódio mundial das infeções e letalidade, com o colapso do sistema de saúde. Ao role de críticas perante a deriva desta crua realidade, o governo nacional – tal como o ministro da propaganda nazi Joseph Goebbels – não assume os erros crassos e, na sua casmurra alienação, denomina de “criminosos”, quem critica a inabilidade do Ministério da Saúde. O endeusado presidente reeleito, que cauciona e ampara esta deriva estonteante, ralha aos portugueses e apaparica os desaires governamentais. Na Assembleia Legislativa Regional, Miguel Albuquerque, apelou à “contenção verbal” e à moderação de uma certa “leviandade retórica” do tom crítico e mais desbragado, com que se imputam responsabilidades, à condução da atual crise. Sim. “Mea culpa”. Todavia, se admitimos que a “democracia” não pode parar, e até mantivemos as eleições presidenciais com a excepcionalidade do dever de recolher-obrigatório (e do #hastag fica-em-casa), por maioria de razão, devemos manter a capacidade de escrutínio de todas as ações (ou inações) governativas. E há os sinais que transparecem. O domínio do simbólico cru e forte. A vacina como réstia de esperança, é já no titubeante plano de vacinação português, objeto de cunhas e favorecimentos com as alegadas “sobras”. Nem nisto, o Estado português manifesta alguma decência, credibilidade ou induz confiança. Se o povo não for diretamente responsabilizado pela explosão piroclástica da infeção, haverá uma estirpe viral para arcar com as culpas, ou até um singelo erro da comunicação oficial, que cria uma perceção errada. E por falar em perceção, soubemos há dias que Portugal em 2020, derrapou dois lugares no Índice de Perceção da Corrupção, da associação cívica “Transparência Internacional”, recuando para níveis de 2016, ficando aquém da média da Europa Ocidental e da União Europeia. A “vacina” do combate à corrupção sofre sucessivos atrasos há anos. Somos mais pequenos.