Da arte de resistir
A resistência silenciosa não pode ser subestimada. Existem formas de resistência diária, uma ação que desgasta sem ser notícia, num agir determinante, que integra a dissimulação e a resistência encoberta. No quotidiano, realizam-se atos que não implicam reportórios de confronto aberto, contudo, evitam a diluição ou a rendição à gramática dos governantes, resistem ao sistema de dominação. Correspondem às armas dos mais fracos, daqueles que não podem optar pela guerra aberta contra os antigos e novos senhorios. Aparentemente, tratam-se de atos isolados, para alguns até pouco interessantes, por não se aproximarem de formas expressas de resistência.
Sem momentos épicos de afronta do poder instituído, sem que configurem movimentos sociais antagónicos e de confronto aberto da governação, há indivíduos que, em vez de obedecerem, em lugar da docilidade e da curvatura servil, resistem e, no limite, rebelam-se.
O termo “resistir”, do latim “resistere”, de “stare”, significa permanecer de pé, manter-se firme, num esforço por subsistir. A atitude do resistente opõe-se à de cedência, de sucumbimento, que remete para a passividade.
Resistir é não cooperar com os poderosos, é um modo de afrontar os senhorios, afrontá-los sem se demover, mesmo que sem assumir modalidades de movimento organizado. Resistir, como ato de insubordinação face a uma certa disciplina inculcada, comporta também a não aceitação de sujeição a uma ordem, a insurgência – latente e não explícita – em relação à linguagem e aos ditames dos agentes do poder predominante.
Sem que se subavaliem outros registos da luta pela vida, mas também por um conjunto de valores e ideais, sem que se desvalorize a multiplicidade de outras expressões da capacidade resistente, há de ser da confluência dessas culturas de resistência e da fusão com a resistência silenciosa que surgirão formas de luta acesa.