Mundo

Bolsonaro será um 'pato manco' nas presidenciais do Brasil

Foto EVARISTO SA/AFP
Foto EVARISTO SA/AFP

Analistas consideram que o Presidente brasileiro tem boas hipóteses de chegar à segunda volta das eleições em 2022, mas acreditam que, confirmado o cenário atual, com Lula da Silva a liderar as sondagens, Jair Bolsonaro será um 'pato manco' na disputa.

A expressão inglesa 'pato manco' ('lame duck') é muito usada nos Estados Unidos para caracterizar políticos com cargo em exercício e tentam a reeleição, mas perderam a expectativa de poder. 

Ao projetar o cenário político para as presidenciais, Rafael Cortez, sócio e analista político da Tendências Consultoria, destacou uma forte tendência de alternância de poder na sociedade brasileira, perante a elevada rejeição do Governo e do Presidente brasileiro.

"Quando o Governo é bem avaliado a reeleição é algo quase que automático, afinal o eleitorado sente-se mais seguro em relação às condições materiais e deseja continuidade. Neste momento há um sentimento contrário", disse Cortez.

"Hoje o eleitor maioritariamente tem um sentimento natural de mudança por conta da rejeição ao Governo e de uma perceção de maior fragilidade em relação às condições materiais, que foram em parte exacerbadas pela pandemia," completou.

Sondagens divulgadas nas últimas semanas pelo Instituto Datafolha e pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) indicam, respetivamente que 60% dos brasileiros rejeitaram votar em Bolsonaro em outubro próximo e 55% avaliaram o Governo atual como ruim ou péssimo.

A mesma tendência de derrota foi identificada por Carlos Ranulfo, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Acho que Bolsonaro não tem muita chance de vitória. O contexto [da eleição atual] em relação a 2018 é completamente diferente. A conjuntura é completamente diferente. Em 2018 Bolsonaro era a novidade, era o antissistema. Agora ele não é novidade, está desgastado. Ele é o próprio sistema e não tem nada para mostrar", pontuou Ranulfo.

"A chance de Bolsonaro, de um a dez, é menor do que um, a não ser que aconteça alguma coisa muito fenomenal. O meu temor para 2022 não é a vitória do Bolsonaro, mas o preço que ele cobrará pela derrota", acrescentou.

Para reverter esta situação, Cortez considerou que o Presidente brasileiro terá de operar uma mudança na forma como a sociedade percebe o seu Governo e gerar ganhos económicos.

"O problema em atingir este objetivo é que a economia [brasileira] encontra-se sem base sólida de crescimento. O cenário macroeconómico neste momento é marcado por uma taxa de juros crescente para lidar com o problema da inflacionário, que é alimentado por uma depreciação cambial que, por usa vez, é resultado do [elevado] risco fiscal", disse Cortez.

Ranulfo lembrou que o atual governante tentará conquistar parte do eleitorado que perdeu destinando 400 reais (cerca de 62 euros) para a população mais pobre dentro de um programa de transferência de rendimento chamado 'Auxílio Brasil', mas considerou que tal estratégia falha.

"O 'Auxílio Brasil' virá num momento em que não há perspetiva de crescimento e a inflação bateu a margem de 10%. A situação, mesmo com o 'Auxílio Brasil', é muito ruim para o Bolsonaro e ele não reverterá esta perceção maioritária da população de que a economia vai mal. Isto não se revertendo não há menor chance do Bolsonaro ser reeleito", avaliou.

Cortez comentou que o cenário económico mundial também permanece muito instável e as fragilidades da economia brasileira concretizam uma expectativa adversa sobre o sucesso de Bolsonaro em obter a reeleição explorando o novo programa social e as pautas ligadas a agenda conservadora.

"O resultado desta estratégia deve ser o Governo eventualmente numa segunda volta, isto de facto, deve contribuir para que o Governo não derreta em popularidade (...) mas não é suficiente para [o atual governante] se tornar majoritário. Há uma tendência de derrota do atual Governo para diversos nomes, principalmente para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

Os dois especialistas projetam a adoção de uma retórica que poderá colocar em causa a estabilidade institucional do Brasil, mas a gravidade de eventuais ameaças perpetradas por Bolsonaro ou por apoiantes seus são encaradas de forma distinta.

"O cenário de ameaça institucional já está presente. Isto foi uma marca do Governo Bolsonaro por conta da estratégia de questionamento de pilares essenciais do jogo democrático (...) Não me parece que haverá um cenário de rutura institucional, o Governo não tem força política para conseguir consolidar um Governo que rompa com os resultados das urnas, mas de todo modo, a ameaça está dada", ponderou Cortez.

Já o professor da UFGM destacou que tanto Bolsonaro quanto os seus apoiantes devem atuar como "animais acuados" (encurralados) ao longo de 2022 e isto eleva a possibilidade de tumultos.

"O Bolsonaro e o 'bolsonarismo' já estão acuados e vão ficar cada vez mais acuados à medida que se aproxime o processo [eleitoral] se ele seguir em clara desvantagem nas sondagens. Nós não sabemos nunca o que um animal acuado pode fazer", destacou Ranulfo.

"Podem acontecer tumultos diversos na eleição com base em grupos 'bolsonaristas' exaltados diante da possibilidade de que o seu 'messias' perca a eleição, isto é imprevisível", concluiu.