Acordo sobre impunidade de João Paulino divide defesas do caso Tancos
As alegações complementares do processo de Tancos, que decorreram ontem no Tribunal de Santarém, foram marcadas por duas visões opostas quanto à existência de um alegado acordo de impunidade para o autor confesso do furto aos paióis do Exército.
Com o Ministério Público (MP) a manter no essencial as alegações finais proferidas em 06 de julho último, nas quais pediu a absolvição de 11 dos 23 arguidos, incluindo do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, os mandatários dos arguidos militares afirmaram não ter ficado provada a existência de qualquer acordo com João Paulino, enquanto o advogado deste, Carlos Melo Alves, disse ter existido "inequivocamente".
A audiência realizada ontem resultou da comunicação da alteração não substancial de factos por parte do coletivo de juízes, no passado dia 06 de outubro, a qual levou à reabertura do julgamento, que tem agora a leitura do acórdão agendada para 07 de janeiro de 2022.
Do despacho que comunicou as alterações, consta a questão do alegado acordo garantindo a impunidade de João Paulino, em troco da sua colaboração para a recuperação das armas furtadas dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT) em junho de 2017.
Ricardo Sá Fernandes, advogado do ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM), Vasco Brazão, afirmou que esta é uma questão crucial para a condenação dos militares da GNR e da PJM, considerando incompreensível que se admita a existência do alegado acordo apenas com base no depoimento do arguido que confessou ser autor de um crime.
Melo Alves questionou a tentativa de descredibilização das declarações de João Paulino, reafirmando a convicção de que, mesmo sem ser expresso, existiu um acordo entre a GNR, a PJM e o responsável pelo assalto aos PNT, de que seria escondida a sua identidade, que não seria detido quando entregasse as armas e de que não seria referido no processo.
No depoimento prestado hoje de manhã, Vasco Brazão assegurou que João Paulino foi sempre tratado como um informador e que "seria impensável fazer qualquer acordo" com ele.
O advogado de Lima Santos, sargento-chefe do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé, acusou o MP de ter "seguido o caminho mais fácil", deixando de fora os generais e o Presidente da República, argumentando ser "inimaginável" que os militares pudessem agir fora da hierarquia.
Também o advogado dos militares da GNR do Porto Pinto da Costa e Laje Carvalho declarou a sua "tristeza" por as alterações comunicadas não fazerem "nenhuma referência à pessoa que praticou os atos materiais no processo, o coronel [Manuel] Estalagem", ex-diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM.
Segundo Ricardo Serrano, foi Manuel Estalagem quem deu as instruções aos militares e era ele o elemento de ligação com a Polícia Judiciária (PJ) civil.
Por outro lado, afirmou não conseguir perceber por que razão o Tribunal não conseguiu trazer a depor Paulo Lemos, "com quem todos falaram", e considerou uma "vergonha nacional" a omissão da informação prestada por este à PJ de que estaria iminente um assalto a uma instalação militar.
No julgamento iniciado em 02 de novembro de 2020, com 23 arguidos, estão em causa crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação até falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.
Além do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, estão também em julgamento o antigo diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM) Luís Vieira e o ex-porta-voz desta instituição militar Vasco Brazão, além de elementos da GNR de Loulé.
Alguns arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais, enquanto outros, entre os quais Azeredo Lopes, que se demitiu do cargo ministerial no seguimento do processo, e os dois elementos da PJM da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
Em alegações finais, o Ministério Público pediu a absolvição de 11 dos 23 arguidos, incluindo de Azeredo Lopes, considerando que a conduta do ex-governante se pautou apenas por uma "omissão do ponto de vista ético", ao não diligenciar no sentido de ser levantado um processo disciplinar aos elementos da Polícia PJM.
Já a pena mais grave -- entre os nove e os dez anos de prisão -- foi pedida para João Paulino, autor confesso do furto.