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30 Anos de rumo incerto

No dia de Natal de 1991, Mikhail Gorbachev comunicou ao povo da União Soviética a sua demissão, terminando sete décadas de liderança soviética e a união das 15 repúblicas que a compunham. Abriu caminho à independência das mesmas, com destaque para a maior delas, a Rússia. A bandeira vermelha da URSS foi removida do mastro e 5 minutos depois foi substituída pela tricolor russa. Um fim de ciclo com repercussões em todo o mundo.

O povo russo nunca conheceu nenhum regime verdadeiramente democrático, pluralista e respeitador da liberdade individual ou liberdade económica. Assim, não é de estranhar a dificuldade para singrar os valores da tolerância, liberdade de pensamento e a partilha de poder.

O período de experimentação, conturbado e errático, durou 10 anos e acabou com a chegada ao poder de um ex-coronel do KGB, Vladimir Putin.

A sua gestão ocorreu por fases. Na primeira década tentou arrumar a casa: Fazer crescer a economia para ajustá-la ao resto do mundo, muito à custa do petróleo e do gás natural; melhorar as condições de vida da população; dignificar a igreja ortodoxa, reprimida pelo comunismo e promover o orgulho nacionalista, quase uma postura czarista.

Na segunda década, reafirma, com particular sucesso, o poder militar da Rússia, muito ao estilo soviético; vinca a sua política externa no sentido de restabelecer a influência perdida nas repúblicas ex-soviéticas, como sentiu a Ucrânia ao ser desmembrada em 2014; impede uma oposição política interna eficaz, tratando-a com mão firme, firme demais para muitos dos seus opositores…

No início da terceira década, esboça uma aliança tácita com a China.

De seguida lança uma campanha contra a NATO e a EU, fazendo uso da Bielorrússia para incomodar a Polónia e, agora, ameaça invadir a Ucrânia, posicionando um enorme exército junto à fronteira. Uma ameaça que vai testar a fibra dos novos líderes ocidentais!

Aparentemente, Biden, Scholz, Macron e Johnson são bem menos condescendentes com a Rússia que o seus antecessores. Se não forem persuasivos, a invasão total da Ucrânia será possivelmente a guerra mais sangrenta na Europa desde a segunda grande guerra. E os países ex-soviéticos do báltico, Estónia, Letónia e Lituânia, bem como a Polónia, Roménia e a Finlândia, sentem-se particularmente desconfortáveis com esta “nova” Rússia expansionista.

A Rússia e a Ucrânia são duas faces da mesma moeda. Foi em Kiev que nasceu a nação russa, era a segunda república mais populosa e a fronteira divide famílias e laços culturais e económicos seculares.

Após a revolução divergiram e a escolha estará entre o peso do passado em conjunto ou desejo de um futuro diferente!

Tenho uma opinião formada. Conheço ucranianos a residir na Madeira e tive oportunidade também de falar com outros na Ucrânia, depois da revolução popular conhecida como Euromaidan. Durou meses, mas acabou por depor o presidente pró-russo Yanukovytch e exigiu uma maior integração com a Europa, o que acabou por acontecer. E a Europa foi generosa ao dispensar vistos aos ucranianos e facilitar as suas exportações. Apesar de diferenças geográficas importantes, com o Leste a ser mais tolerante com a Rússia, creio que o sentimento maioritário na Ucrânia é de autodeterminação, de rumar em direção à integração europeia e, posteriormente, talvez à NATO. Mas isto incomoda a hierarquia do Kremlin e desafia toda a estratégia pensada.

Este é o dilema de Putin. Como disse o revolucionário Leon Trótski, “O fim pode justificar os meios, desde que haja algo que justifique o fim“. Já o escritor Leiv Tolstói afirmou que “Os atos de uma pessoa se tornam a sua vida, tornam-se o seu destino”.

Por outras palavras, Putin poderá escolher entre ser o Czar Alexandre II, o reformista que uniu e modernizou a nação, ou ser Nicolau I, aquele que perpetuou os privilégios da aristocracia/oligarquia russa, foi o “polícia da Europa” e impediu o avanço do liberalismo?

Seja lá o que escolher, vincará o seu nome na história russa com a mesma caligrafia que os seus antecessores.