O Pelintrão
São hipersensíveis à opinião e detestam ser julgados, mas praticam a crítica e o julgamento aos outros como ninguém
1. Disco: Pode-se lá deixar passar, sem ouvir, seja lá o que for que Neil Young & Crazy Horse produzam. Em “Barn” provam que velhos são os trapos. Uma viagem à América profunda. Neil Young continua a passar-nos uma autenticidade que faz dele uma das mais importantes vozes do outro lado do Atlântico. “Blues”, “country” e um cheirinho a “rock”. Podíamos pedir mais? Podíamos, mas não era a mesma coisa.
2. Livro: Tanto para dizer sobre a China e a sua história. Michael Wood consegue, num único volume, contar a história de uma das civilizações mais antigas do mundo. “A História da China - Um retrato de uma civilização e do seu povo”, é um daqueles livros que se começa a ler e que custa a parar, pois de uma profundidade surpreendente que nos permite ficar com uma visão geral dos milhares de anos de história do Império do Meio.
3. São muitas as possibilidades de definir um pelintra. Há a clássica que o entende como sendo um pobre, um indigente, mas, nos nossos dias, penso que vai muito além disso. O pelintra é o que enche o peito e, de modo fanfarrão, quer dar a ideia de que é muito mais do que aquilo que é.
Entre nós, porque somos “povo superior”, não nos contentamos com o pelintra, temos o pelintrão. Não se assustem que não falo de nenhuma variante de vírus, embora o uso de máscara, de distanciamento social e a desinfecção das mãos, seja mais que recomendável quando em contacto com este tipo de gente.
O pelintrão é o “ótonomista” que defende a “ótonomia” de mão estendida. Está-se nas tintas para a Autonomia porque isso dá muito trabalho. Adora ver inimigos debaixo da cama, que estão sempre a conspirar para dar cabo das conquistas “ótonomicas”, que tanto custaram aos madeirenses. Fala da Lisboa centralista, e com razão, mas depois esquece-se de ser descentralizador no que respeita à “ótonomia”.
O verdadeiro “ótonomista” nunca tem culpa de nada. Há sempre quem culpar, seja o inimigo externo, seja o interno. Tem dias em que ainda não aconteceu nada e já berra que não foi ele. É um irresponsável e todos percebem isso, menos os próprios.
Todos nós, os outros, cometemos erros e é a aprender com eles que crescemos. O pelintrão não. Já nasceu ensinado. Ser responsável é uma coisa muito difícil para quem tem fraca autoestima. O pelintrão é um puto que deixou de crescer, quando ali pelos 12 anos, na idade da parva, pensou que já sabia tudo. Que lhe chegava ler as badanas dos livros e fazer umas citações! Por isso dá-se mal com o confronto de ideias, faz beicinho, e tem ataques de raiva narcisista.
O pelintrão não consegue calçar os sapatos dos outros para os entender. Acha mesmo que não precisa disso, pois ao suprir as suas necessidades faz o mesmo por todos. São hipersensíveis à opinião e detestam ser julgados, mas praticam a crítica e o julgamento aos outros como ninguém. Têm ciúmes de quem pensa e tem ideias, e estão convictamente convencidos de que são os outros que os invejam. Só assim se sentem bem.
Porque é que lhes é tão difícil assumir que erraram? Porque é muito mais fácil adjectivar do que actuar, porque isto é tudo uma “bandalhice”.
Agora assumir que a “bandalhice” é o resultado de resoluções governamentais a que muito poucos ligam, isso não vai dar. Não pode haver nada pior para um governo do que o lançar medidas rejeitadas pela maioria, mesmo que sob a forma de aconselhamento. Tenho frequentado centros comerciais, lojas, bares, restaurantes, e em lado nenhum me têm pedido para mostrar o certificado de vacinação, que tenho, ou o comprovativo do teste, que também tenho. Muito poucos ligaram à resolução do Governo. O povo marimbou-se para o que pouco ou nenhum sentido faz. Uma espécie de desobediência civil.
4. Howard Becker define isto como a “sociologia do desvio”, mostrando que a fuga ao normativo não é automática, mas o resultado da repressão que leva aos comportamentos desviantes, principalmente quando essa repressão/proibição não é explicada coerentemente e entendível por todos.
5. Três bárbaros assassinatos num ano. Violência doméstica levada ao paroxismo. Estamos mal, muito mal. Temos de fazer mais, muito mais. Não me compete dar palpites, mas custa-me muito ouvir que estes casos não são o resultado de algo espontâneo. São casos identificados e dos quais as autoridades tinham conhecimento. Não estou a culpá-las, pois estão de mãos amarradas, é pouco o que podem realizar na prevenção. É urgente que se legisle no sentido de uma intervenção rápida de protecção de quem sofre a violência. Depois da denúncia a vítima dever ter direito a protecção imediata, separando-a do agressor, disponibilizando-lhe abrigo, emitindo uma ordem judicial de afastamento. A não ser assim, enquanto as autoridades se limitarem a receber a queixa e não houver um procedimento judicial imediato, continuaremos a ser surpreendidos com casos como estes.
6. Vejo sempre, algumas vezes a desoras, o Telejornal Madeira. Na entrega das candidaturas no Tribunal da Comarca, ouvi os cabeças de lista de quase todas as candidaturas.
Só não ouvi um, pois por ele falou o líder nacional, o candidato do Chega.
Tenho a impressão que “aquela coisa” será cabeça de lista em todos os círculos nacionais, mais o da Europa e o do Resto do Mundo.
Será sempre pequenino quem se deixa tratar como pequenino.
7. Entre meados dos anos 60 e até aos primórdios da década de 80, existia, em Espanha, um prémio que dava pelo nome de Tanit. Servia para tudo e mais alguma coisa, houvesse dinheiro para o pagar.
“A Melhor Tasca do n.º28 da Rua da Fancaria”? São 300 contos; “A Albergaria do Ano”? 300 contos; “O Melhor Projecto de Bancos de Jardim”? Em ano de saldos, eram 200 contos.
Verdadeiros prémios para chico-espertos, com o único fito de enganar bimbos.
Entretanto o Tanit morreu, mas viva o Tanit.
Por esse mundo fora replicaram-se estas porcarias. O processo aprimorou-se. É mais subtil. Agora não se os compram, pagam-se taxas de inscrição, ou de participação, ou mesmo uma generosa quantia para participar no espectáculo da entrega dos Tanits deste mundo.
Mas o fim é o mesmo: encandear os pategos com uma porcaria que não tem valor nenhum, a não ser de uns para os outros, daqueles que os “compram”, pois o meu Tanit é maior que o teu.
8. “Bom senso é fácil, é não andarem uns em cima dos outros a beber e a respirar, a dar beijos na boca — que não tem mal nenhum, mas deem só na namorada —, não tomarem copos na rua”. — Miguel Albuquerque.
Volta e meia deixo aqui citações que considero relevantes. Não é o caso desta, que só ganha relevância por tão estronça que é. Miguel Albuquerque disse isto, após ter tirado uma fotografia na Placa Central de copo de poncha na mão, em cima de uma data de pessoas, que presumo que estivessem a respirar. Não sei se andou a dar beijos na boca que não na sua mulher.
Além da frase ser… nem sei o que lhe chamar — está carregada de machismo e preconceito: então se for a namorada a beijar o namorado, não pode ser? E o namorado a beijar o namorado? Ou a namorada a beijar a namorada?
Sou só eu que fico com a ideia de que, o Presidente do Governo, pensa que quem sai à noite é uma cambada de promíscuos que, entre um shot e uma vodka maracujá, comem como “dentinho” a boca do parceiro do lado?
Haja paciência.