Madeira

Antigo secretário regional anima presépio com mais de 100 figuras em movimento

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Quando se liga o interruptor, o presépio entra em movimento e fica marcado pelo som constante de água a correr e um sino a tocar na igreja, numa profusão de cores e figuras espalhadas pelo vão da escada.

"Tenho figuras em movimento e tenho figuras estáticas, algumas muito antigas, algumas feitas por mim", disse à agência Lusa Rui Adriano de Freitas, antigo governante madeirense, construtor do presépio, que segue a tradição popular, combinando a representação do nascimento de Jesus com várias actividades típicas da ilha.

A estrutura chama a atenção logo que se entra na sua casa, no Funchal, de resto como acontece na maioria das residências na Madeira, onde o presépio marca presença nesta época, porque é volumosa e tem a particularidade do movimento.

Aqui o sacristão toca o sino da igreja, além a água brota num chafariz, num canto procede-se à matança do porco, noutro um homem assa castanhas e até sai uma coluna de fumo, mais acima uma mulher espreita à janela e volta para dentro, mais abaixo o pai Natal desce pela chaminé com o saco das prendas, mas volta a subir quando as crianças abrem a porta da sala.

"Afinal, o pai Natal existe, só que as crianças nunca o veem", diz Rui Adriano de Freitas com um sorriso feliz, realçando que, apesar dos 77 anos, nunca perdeu "o gosto e a vontade" de fazer o presépio.

"Depois de me aposentar, comecei a introduzir as figuras com movimento. Sou eu que as faço e introduzo o mecanismo", explicou, revelando que, por baixo da estrutura, há uma "confusão de fios e cabos".

O presépio construído em casa por Rui Adriano de Freitas, antigo governante madeirense que desempenhou o cargo de secretário regional dos Assuntos Sociais entre 1988 e 2000, tornou-se ao correr dos anos um ícone do Natal na Região, regularmente exibido em programas televisivos e na imprensa.

Composto por cerca 400 figuras, mais de 100 integradas em mecanismos com movimento, a sua montagem começa todos os anos em setembro, para depois ser desmontado a partir de Abril.

"No fundo, é um trabalho solitário. Tem de haver gosto, paixão e entusiasmo, no sentido de idealizar a peça e depois vê-la em movimento inserida no presépio", disse, confessando que o processo de desmontagem constitui sempre um "misto de dor e satisfação".

Todos os anos, Rui Adriano de Freitas retira peças e introduz novas e tem sempre a preocupação de as fazer com "uma certa preciosidade", embora reconheça que o movimento passa despercebido no conjunto, pelo que é necessário gastar algum tempo a reparar nos pormenores, como um pássaro a alimentar a cria no ninho ou a ação de várias figuras a apagar um incêndio num palheiro.

"São tantas peças em movimento e eu procuro fazê-las para mostrar as atividades sociais e culturais mais representativas da região, muitas delas já extintas", disse, explicando que a base da estrutura, em gesso e esferovite, é organizada em anfiteatro para realçar também a orografia da ilha, por onde se espalham os carregadores de charolas, o leiteiro, os borracheiros (carregadores de vinho), o barbeiro, o vendedor de lambecas, os artesãos do vime, os pescadores de peixe-espada preto, os romeiros e as procissões, o amola-tesouras, os tocadores de instrumentos musicais.

A profusão de figuras e cores é de tal ordem intensa que, conta Rui Adriano de Freitas, às vezes as pessoas nem reparam na cena do nascimento de Jesus, o motivo principal para a elaboração da estrutura.

"O Menino Jesus também não precisa de grandeza. Nasceu numa gruta e é numa gruta que se deve representá-lo", diz, retirando de um canto de um rei mago, para mostrar a sua perfeição.

O conjunto de peças que representa o nascimento é um trabalho manufaturado, em madeira de oliveira, adquirido na Palestina.

"Quando vi isto, perdi a cabeça", confessa, indicando que o presépio é composto também por outras peças oriundas de vários cantos do mundo, como uma procissão dos Açores e o 'caganer" da Catalunha, figura colocada em lugar pouco visível, com o propósito de desafiar os convidados a descobri-la.

"Quando os netos vêm aqui, esse é o desafio. O que descobrir, ganha chocolates", diz Rui Adriano de Freitas, para quem o espírito do Natal emana em grande parte do presépio, ali em casa, no vão de escada, em movimento.