Recordei o meu Avô Vasco (Pai da minha Mãe) há alguns dias, pelo dia do seu aniversário natalício, 8 de Dezembro.

Essa recordação trouxe à memória tempos passados em época de meninice e adolescência, quando, às vezes, a brincadeira chamava mais do que a companhia do Avô, e é por isso, que só muito mais tarde na vida, já depois de ter filhas a conviver com as Avós e os Avôs, é que consciencializei a importância que esta “instituição” tem no desenvolvimento das crianças, crença essa aumentada quando chegou a minha vez de “entrar” com toda a força na era “avôzal”.

Falar dos meus Avôs é fácil e daria pano para mangas. Qualquer um deles tinha muito para oferecer, e quando falo em oferecer quero dizer exactamente o que a palavra significa: conceder como presente, ofertar, doar, possibilitar, dar sem pedir nada em retorno, pois é isso que os Avôs fazem, dão-se, voluntariam-se para através dos netos ajudar os filhos, cuidando e ensinando quando o tempo falta aos Pais (e tantas vezes falta o tempo, quando a actividade é intensa!).

Escrever sobre o Avô, recordar o meu Avô agora que já sou também Avô, levou-me de volta a ser neto, a ser criança outra vez, no imaginar e no sentir, mas um neto que só muito mais tarde na vida aprendeu o muito que aprendeu com os ensinamentos que lhe transmitiram os Avôs, e que só muito depois conseguiu entender.

Era músico, o meu Avô Vasco, violinista de grande categoria, com uma carreira interrompida pela doença que precocemente o atingiu e que tanto dificultou a comunicação com os netos, por quem tinha uma paixão que só muito mais tarde pude compreender.

Ensinou-me a “esquecer” o óbvio da espectacularidade e a concentrar-me na beleza da melodia, na força dos diálogos entre grupos instrumentais, explicando que a beleza das coisas simples é, também, a simplicidade das coisas belas.

Infelizmente, só muito mais tarde na vida pude compreender o seu olhar de ternura para os netos que adorava, muitas vezes misturado com um relâmpago de resignação quando nós não compreendíamos o que tentava dizer sem conseguir em virtude da dificuldade própria da doença, ou uma “fúria” contida pela condição que a vida lhe tinha trazido (sofria de Parkinson e a audição era difícil).

Porque relembro isto?

Porque, como já o disse, em tempo de recordação, deixei de ser o adulto já Avô e passei a ser o neto e, pelo menos durante o tempo em que ia lembrando as “aventuras”, voltei a ser criança, a criança feliz que recebia, sem saber o quanto recebia, não só as guloseimas que o Avô sempre levava nas suas visitas, mas principalmente, os ensinamentos que só muito mais tarde pude compreender.

Mas não somos criança para sempre e, na volta à realidade, fica por vezes uma sensação de não ter aproveitado como deveria tudo o que o Avô tinha para dar, em particular agora que, sendo já Avô, gostaria de deixar para os meus netos tudo o que sei que recebi.

Mesmo que eles por agora não entendam.

Porque sei que se tenho tão boas recordações então talvez tenha aproveitado muito mais do que às vezes penso.

Sendo neto ou sendo avô o que devemos reter é que, se guardamos recordações, se as recordações nos vêm à memória como boas recordações, de tempos bem vividos, de carinho, amizade e amor, então, sem dúvida, aproveitámos muito mais do que aquilo que pensamos ter aproveitado, seja com os Avós, com os Pais, com os Irmãos, com todos com quem a vida quis que fossemos convivendo.

E é isso que precisamos - aproveitar, aproveitar a presença de alguém que nos é querido, mesmo quando julgamos que não foi suficiente, pois ao ficar cá dentro ultrapassa a barreira da imaginada insuficiência!

O Natal é uma época propícia a encontros familiares, logo a recordações de tempos passados, tempos que se quiseram felizes mesmo se vividos com dificuldades, época para deixarmos o neto que já fomos encontre o avô que somos e que desse encontro irradie felicidade na cumplicidade mesmo que tardiamente compreendida.

É comum dizer-se que “o Natal é das crianças”, mas se por um dia os avôs de hoje forem os netos de ontem, então há que reconhecer que o Natal é, certamente, de todos nós e sem idade específica para o celebrar.

Feliz Natal!