Guardador de margens
Boa noite!
Partiu hoje o Luís Calisto, referência da classe e exemplo para gerações. Ficamos mais sós.
Devemos-lhe tanto, desde a irreverência analítica à escrita criativa; desde o respeito pelo leitor à insistente opção pelo rigor; desde as notas soltas às conversas com memória; desde as ‘achas’ às crónicas ‘às avessas’ e ‘faça ondas’; desde o Livro Estilo, pelo qual ainda hoje nos guiamos, até ao eterno slogan ‘dia sem DIÁRIO não é dia’.
Devo-lhe o atrevimento na cruzada contra as verdades convenientes e na descoberta crítica dos pormenores que óbvio esconde.
Devo-lhe oportunidades que fiz questão de aproveitar e dias intensos de reportagem por essa Madeira dentro na sua companhia e do Manuel Nicolau.
Devo-lhe ensinamentos úteis quando me passou o testemunho e um legado que tentarei honrar até ao fim dos meus dias no DIÁRIO.
Devo-lhe as palavras certas que encontro num escrito que guardo quando, em Outubro de 2011, lançou o livro ‘Nas Margens da Madeira’. Coube-me apresentar a obra que junta anos de pesquisa profissional e lúdica, entrevistas publicadas e por publicar, longas gravações particulares com a voz de extraordinários contadores de histórias que a Madeira teve nas últimas décadas, documentos e tradição oral de famílias de renome que têm atravessado estes séculos. Um livro que resulta das inevitáveis e aturadas incursões no passado através da “máquina do tempo” que os arquivos têm sempre com o motor ligado para viajar. E das obras publicadas pelos competentes investigadores madeirenses conhecidos do público.
Devo-lhe a honra que nos deu depois de ser Director em coordenar publicações especiais, deixando por instantes rotinas contemporâneas de modo a que pudesse deslumbrar-se com a história colectiva. Em vez de continuar a fazer ondas na levadia instalada, rebentação que não viria a abrandar, virou-se para a máquina do tempo. Em boa hora.
Na altura escrevi:
A pressa é inimiga da descoberta. O ritmo alucinante do jornalismo, embora necessário e cada vez mais acelerado, nem sempre é o conselheiro ideal numa era desprovida da procura elementar pela causa das coisas, pelas referências incontornáveis e pelas origens que determinam o futuro. Falta-nos por vezes tempo para as horas sem fim, para a pesquisa demorada e para o vital convívio com a memória. A fatalidade tem dias. Basta que haja um pacto com a procura curiosa pelas vivências que moram na margem da aventura colectiva. É essa tamanha disponibilidade para ouvir e ler bem de modo a poder contar melhor que encontramos no livro.
Fez-nos bem que tenha ido guardar as margens e, cumprindo com a nobre missão de informar, tenha ganho tempo para partilhar importantes descobertas".
Devo-lhe mais um obrigado. Mesmo não percorrendo sempre as mesmas margens, demos passos com frontalidade, honrámos o essencial e guardámos o bem maior e eterno.