Quando é preciso ninguém fica sozinho
Na Madeira o Natal é comunitário, vive-se dentro e fora da família
A festa de Natal tem tanto de alegria e de felicidade como de tristeza e angústia. O confronto entre o ter e o não ter torna tudo muito intenso e desigual. Quem tem família ligada por afetos, e não vive nos limites da sobrevivência, usufrui da imposição comercial das festas, está dentro do espirito, quem não tem fica fora.
Quando há crianças, e o pai natal é pobre de tudo, a tristeza é ainda maior e a injustiça mais evidente. Há muito sofrimento escondido e quem o conhece sabe a dor e o peso da solidão natalícia.
Na Madeira o Natal é comunitário, vive-se dentro e fora da família. O conceito de família é alargado, transcende o sangue e abre portas aos amigos de coração. É difícil ficar de fora, há sempre alguém que acolhe com alegria. A festa vive-se também na rua, entre amigos, conhecidos, família. São tradições, momentos mágicos, alegrias partilhadas. Todos podem estar com todos. Esta é a grande diferença do Natal em outros pontos do país, mais reservado, restrito às famílias de sangue, no calor dos lares que podem aconchegar. Quem fica de fora, tantos e cada vez mais, fica sozinho a contar os minutos para que tudo acabe rápido e a obsessão da festa desapareça.
Apesar de não ser um sistema perfeito, porque perfeição não existe, e nem sempre ser possível dar alegria a quem não a sente, nem resolver carências de vida em dias de festa, é bom sentir laços de afeto, uma mão para agarrar.
Há quem diga que muito do que se faz é falso, fútil, pouco consistente, que não perdura no tempo e que festa é apenas festa. Contudo a minha vivência na ilha mostrou-me que a solidariedade é mais do que ações de beneficência, é uma forma de estar que não se restringe ao Natal. Sempre que é preciso acolher, abrir portas, ajudar, como acontece em momentos de necessidade coletiva ou individual, o espirito de Natal permanece. Muitos estão lá para outros.
Para o bem e para o mal há uma família gigante que interfere, impõe-se, e por vezes contamina a valiosa individualidade, mas é assim, o lado bom é este, quando é preciso ninguém fica sozinho.
A alegria é contagiante e nem tudo tem que ser carregado de grandes laços e valores entre a bondade e a gratidão. Os gestos simples e leves, ainda que por vezes fugazes, também contam, e muito, para quem precisa de receber. Há que saber partilhar, pelo simples prazer de dar a outros um bocadinho do que sentimos como nosso. Afinal, nada é verdadeiramente de ninguém e o Natal, na sua génese, significa esperança numa humanidade mais próxima, menos egoísta e mais humilde.