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Tenhamos vergonha

Romper com o ciclo de salários baixos deveria ser a prioridade política da nossa Região

Sinto vergonha. Devíamos todos ter vergonha da pobreza entranhada na nossa Região. Não sei como é que tantas pessoas conseguem sobreviver com tão pouco. E não se trata de gente sem emprego ou que quer viver à custa de subsídios. É gente que tem o seu trabalho, mas cujo salário é o salário mínimo ou próximo. São pessoas que trabalham muito, bons profissionais, responsáveis e cumpridores, que não saem da pobreza. E vivem a vida toda a ganhar o mesmo. As perspectivas de mobilidade social são escassas ou nulas. Não há nada mais angustiante do que isto. E são estas pessoas que mantêm a Região a funcionar.

Ter trabalho não protege as pessoas da pobreza. O salário mínimo é insuficiente. E não convém andarmos num passa-culpas para os patrões que não aumentam salários, ou para os sindicatos que não têm consciência da situação das empresas. A responsabilidade maior é dos governos. A nível nacional, e depois dos cortes dos governos de Passos Coelho, os governos de António Costa aumentaram o salário mínimo em 39,6%. É suficiente? Não é.

Mas olhemos para nós, e se falamos tanto em Autonomia, o que temos feito para a usar em benefício dos madeirenses e porto-santenses?

Temos uma economia amarrada ao passado, com problemas na criação e na distribuição da riqueza. A única coisa que o governo regional faz é gerir os momentos eleitorais, sem qualquer estratégia de desenvolvimento que nos permita sair do fosso dos baixos salários. Da mesma forma que alimentam grandes fortunas, criam uma legião de pobres. Não é admissível que com tantos milhões de euros vindos da União Europeia, continuemos com tanta pobreza. Em comparação, as pessoas ganham hoje menos do que ganhavam há 20 anos. Choca-me que mesmo na administração pública, pessoas com 15 anos ou mais, em virtude do congelamento das carreiras, ganhem o mesmo do que aquelas que agora estão a entrar.

Romper com o ciclo de salários baixos deveria ser a prioridade política da nossa Região. Isso só se consegue com uma alteração do modelo económico e com uma reordenação de políticas que promovam a qualificação da população, e com isso empregos melhor remunerados, além de uma aposta em áreas como as das tecnologias, das energias e do mar. Como tenho já tantas vezes repetido, é preciso reinventar a Madeira. Mas tudo isto demora tempo, e a cada legislatura em que nada se altera, é uma geração que se perde.

O crescimento económico tem de significar progresso social e bem-estar para todos. O nosso desenvolvimento não pode ser medido em metros cúbicos de betão, mas sim em qualificação, conhecimento e inovação. Se não resolvermos este problema, não resolveremos mais nenhum, mesmo que continuem a chover milhões, como aqueles que irão chegar da “bazuca” europeia.

Verifiquemos os nossos principais sectores: o turismo e a construção. Tanto um como outro, são caracterizados por trabalhadores com baixas qualificações e baixos salários. É sabido que no sector do alojamento, restauração e similares, os trabalhadores auferem dos mais baixos salários. Não deixa de ser contraproducente que o sector do qual mais dependemos, seja aquele onde se paga mal. É urgente apostar na formação e na qualificação, com benefício para os trabalhadores e para o próprio sector, pois teremos o produto turístico com valor acrescentado.

Não é por acaso que há escassez de mão de obra. Os apoios que foram vertidos no combate à pandemia, não incentivaram a procura de emprego. Nem tão pouco fomentaram a criação de postos de trabalho por parte dos empresários. E o governo regional poderia ter feito diferente. Mas é claro que é mais fácil continuar a fomentar a subsidiodependência para ganhar votos.

Desta forma estaremos sempre a nivelar por baixo. Aliás, os salários médios, cada vez mais se aproximam do salário mínimo. E não é por acaso que a Madeira era em 2019 a região do país com o mais baixo poder de compra; a região com a redução menor dos beneficiários do RSI; a região em que o coeficiente Gini, o indicador de desigualdade na distribuição de rendimento, era superior ao resto do país; a região em que o crescimento salarial estava abaixo da média nacional, e em que o salário mínimo regional representava 88,4% do rendimento médio mensal dos assalariados; a região em que a I&D e Inovação era de apenas 0,39%, e com o menor valor de financiamento por investigador, com 1/3 do investimento em I&D do que se realiza em Lisboa, Centro e Norte do país; a região que no clima e energia, para metas em fontes renováveis, atingiu em 2017, 7,5%, o mesmo que em 2010. Sinto vergonha destes números.

Não podemos continuar assim, com um governo regional de serviços mínimos. E teremos de ser nós, madeirenses, a encontrar outro caminho.