Análise

Frente e verso viradas do avesso

Revisito por vezes as polémicas abordadas ao longo da semana no ‘Boa noite’ porque há quem não dispense a leitura em papel, as páginas com frente e verso, as observações sobre realidades porventura viradas do avesso, por haver o terrível hábito instalado de só ler pela metade, apenas as folhas ou passagens mais convenientes. Cumpre-nos olhar para o todo, que implica a procura das partes atendíveis e do outro lado da história, mesmo que não esteja sempre presente nas observações apressadas de quem prefere fiar-se nas versões do que na verdade. Foi o que se viu tanto no barulho de pólvora seca em torno do anúncio de reestruturação da Frente MarFunchal, que manda para o desemprego uma dúzia de colaboradores, e levanta várias questões num processo em que, infelizmente, ninguém tem água com que se lave. Foi o que se viu nas paixões clubísticas em torno do provável velório milionário do União, se bem que os sogro e genros do sistema sejam bem capazes de engendrar soluções de base familiar.

No caso Frente Mar, independentemente dos aproveitamentos políticos de circunstância, bem reveladores das hipocrisias e cobardias de uns e de outros, à esquerda ou à direita, da ‘Confiança’ ao ‘Funchal Sempre à Frente’, ficou bem evidente que os políticos que criaram ou prolongaram a existência desta ou de outras empresas municipais em agonia revelaram amnésia súbita, ignorando os propósitos fundadores que, pelos vistos, permitiram mais desvarios e contradições do que funcionalidades efectivas com ganhos colectivos.

Não é admissível que o ‘porco’ tenha engordado tanto à conta do dinheiro dos funchalenses, ao ponto de satisfazer mais a rede clientelar, com destacados membros comprovadamente vadios ou especialistas em absentismo, do que a boa gestão dos complexos balneares e dos estacionamentos. Não é admissível que continue a haver empresas públicas que são caloteiras, motivo de vergonha e não são eficazes, e cujas atribuições podem muito bem ser desempenhadas pelas autarquias. Não é admissível que uma empresa continue a ser assunto à conta de um alargado conjunto de erros acumulados e de asfixias financeiras deliberadas por gente incapaz, com medo de decidir e perita em ajustes de contas. Não é admissível que alguns façam passar a mensagem que há quadras em que os vínculos laborais são descartáveis, menos no Natal. Não é admissível que se perpetuem comodamente e sem dor opções desastrosas que lesam o contribuinte apenas porque há quem só pense, de forma sistemática, na próxima eleição.

No caso do União reina o vazio depois de 25 de Novembro último, a direcção do clube ter decidido aguardar 15 dias para que aparecesse uma solução válida que permitisse a continuidade da instituição. O prazo chegou ao fim e nada.

Nos últimos 40 anos o União da bola recebeu 13 milhões em subsídios anuais, 17 milhões em contratos programa para a construção do seu complexo e acumulou 14 milhões de dívidas. Se a estes juntarmos os valores arrecadados com a venda de Ruben Micael, com os acordos relacionados com os direitos televisivos e com os prémios da Liga, contas feitas por alto apontam para o facto de cerca de 100 milhões de euros terem passado pelo clube nas últimas décadas. Com uma agravante. O União não tem um único activo que lhe valha, a não ser as taças do Museu. Nem o chão do complexo do Vale Paraíso está registado e as benfeitorias não são válidas como activos do clube.

Tantos milhões de euros depois quem fiscalizou e encobriu este descalabro financeiro no União?

Que fizeram destacados dirigentes unionistas, neste escândalo sem precedentes? E que fez o governo regional para controlar o que disponibilizou ao clube através de contratos-programa? Só agora é que assegura que não há nem mais um euro para o União?

Numa sociedade minimamente empenhada no combate à corrupção não tolera abusos deste calibre e impunidades ultrajantes. Logo, importa desencadear os mecanismos para que a culpa não volte a morrer solteira. Até porque basta consultar as certidões permanentes do clube e da SAD para se perceber que muitos daqueles que estão hoje na esfera do poder regional e que determinaram a morte do União, não só tiveram cargos importantes no universo do clube, como dele tiraram dividendos.