Quatro casos sustentam processo contra militares da GNR em Odemira
O processo de sequestro e agressão de imigrantes por militares da GNR envolve quatro casos ocorridos entre setembro de 2018 e março de 2019, no concelho de Odemira, no distrito de Beja, revela a acusação.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), à qual a agência Lusa teve acesso hoje, o primeiro caso ocorreu a 12 de setembro de 2018, no interior do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes da GNR.
No posto, cerca das 19:20, estava o arguido Rúben Candeias, "devidamente fardado", sem estar escalado para serviço àquela hora e acompanhado de terceiros não identificados.
Rúben Candeias dirigiu-se a um cidadão oriundo da região do indostão, cuja identidade não foi possível apurar e que estava no posto por causa desconhecida e não reportada em expediente de serviço, e obrigou-o a dizer em português um pedido com palavrões.
Enquanto tal acontecia, Rúben e as terceiras pessoas davam gargalhadas e o cidadão estrangeiro "permanecia em atitude submissa", segundo a acusação.
Assim que o cidadão estrangeiro pronunciou as palavras, Rúben, que filmou com o telemóvel os atos praticados, "desferiu-lhe uma forte bofetada na face" e, "não contente", voltou a instá-lo a dizer outras frases em português, o que aquele fez, "em atitude submissa".
O segundo caso ocorreu no dia 11 de novembro de 2018, quando, cerca das 02:15, os militares João Lopes, conhecido por "pernas", e Rúben Candeias, "devidamente fardados e em comunhão de esforços e intentos", em local não identificado, algemaram atrás das costas um cidadão não identificado, mas presumivelmente da mesma região, que engloba a Índia, o Nepal e o Paquistão.
O cidadão, algemado, a chorar e contra a sua vontade, foi colocado no banco de trás de um veículo da GNR adstrito ao serviço de patrulha do posto. Rúben foi sentado ao seu lado, a fazer escolta, enquanto João conduzia a viatura.
Durante a viagem, o cidadão estrangeiro, chorou e repetiu várias vezes "'português nô malo, nò português", tendo sido ofendido e ameaçado por Rúben, que lhe deu "um forte estalo" e diversos murros na cabeça.
Rúben encostou e esfregou repetidamente uma espingarda 'shotgun' ao rosto do imigrante, que estava dobrado sobre os joelhos, "a chorar e aterrorizado", e foi mantido pelos arguidos no carro por período indeterminado, "mas sempre contra a sua vontade".
A acusação adianta que a espingarda é propriedade do Estado e fica depositada no Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes da GNR para ser usada unicamente em serviço, mas Rúben tinha-a consigo, usando-a para aquele fim.
Outro dos casos diz respeito a 13 de janeiro de 2019, envolvendo os arguidos Nelson Lima, Diogo Ribeiro, Rúben Candeias e Nuno Andrade que terão conduzido ao interior do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes "pelo menos três indivíduos cuja identidade não se conseguiu apurar", mas presumivelmente da mesma região.
No pátio interior do posto, as três vítimas foram colocadas "lado a lado" e foi-lhes ordenado que "se agachassem e que se remetessem ao silêncio", sendo a seguir agredidos com reguadas nas mãos.
Um dos arguidos, Nelson Lima, disparou mesmo gás pimenta na direção de um dos indivíduos agredidos.
Na acusação, é possível ler que os arguidos Nelson Lima, Diogo Ribeiro, Rúben Candeias e Nuno Andrade, em comunhão de esforços e intentos, ordenaram aos três imigrantes que se colocassem em prancha e agrediram-nos no corpo.
A procuradora do MP titular do processo, Elsa Maia Bértolo, afirma na acusação que, "durante todos estes atos, os arguidos riam-se e divertiam-se com a subjugação que impunham" às vítimas, "sem qualquer justificação e sem que um qualquer deles levasse a cabo qualquer ação para fazer cessar tais condutas".
A quarta e última situação apurada, é referente a 17 de março de 2019 e envolve os arguidos Carlos Figueiredo, Rúben Candeias e Paulo Cunha.
Os militares colocaram gás pimenta no tubo de plástico de um aparelho de medição de taxa de alcoolemia e, na rotunda de entrada em Vila Nova de Milfontes, mandaram parar um indivíduo de nacionalidade presumivelmente da região do indostão, a quem ordenaram que usasse o equipamento, como se estivesse a ser alvo de uma fiscalização rodoviária.
A vítima inalou o gás pimenta, enquanto era alvo de palavrões ditos pelos militares, e "sentiu-se mal e pediu socorro", o que "lhe foi negado pelos arguidos", diz a acusação.