Da matança do porco ao Natal
Não associar o natal, à matança do porco, naquela época em Santana, era quase impossível.
O natal ainda vinha longe, mas o primeiro indicador de que, já estávamos em contagem decrescente para este dia, era o começo da engorda do porco.
Este animal que ao longo do ano era alimentado com os produtos que a terra dava, batatas; couves; abóboras e outros, sem passarem por cosedura alguma, tinha um trato especial, quando chegávamos ao mês de novembro. Era reforçada a sua alimentação com panelas de beberagem cozida, para que este, estivesse bem gordo por altura do seu abate. Daí, ter nascido aquela expressão, muito usada na época em Santana, em diálogos menos cordiais:
“Tu estás tão enganado, como o porco está na festa”.
Na verdade, era na altura em que o animal estava a sentir-se mais bem tratado, que se aproximava o seu dia fatal.
Em dezembro, quando se iniciavam as missas do parto, também se iniciava a matança dos porcos. O cheiro da sua chamusca, invadia aquela aldeia nos anos cinquenta, que para nós crianças da época, era um cheiro a natal. Tudo lembrava a festa. As missas do parto, o arremesso de pequenas bombas, as próprias conversas que se faziam, o cheiro da carne de vinha d’alhos e até as laranjas, que amarelavam nas laranjeiras lembrando as lapinhas, cheiravam a natal.
Aquela contagem decrescente, dos dias que faltavam para a festa da matança do porco, após esta festa, dava lugar ao início de outra contagem decrescente; os dias que faltavam para chegar ao natal.
A azáfama que se vivia nas vésperas na preparação daquela festa, era por si só, uma maneira de já estar a viver o acontecimento. Entre os preparativos, destacava-se a tarefa de amassar o pão, que ao sair quente dos fornos das cozinhas, invadia a aldeia, alterando-lhe o seu cheiro característico do dia, a dia.
Era na verdade uma grande festa aquela matança do porco. Uma maneira de reunir familiares e amigos num convívio saudável, onde para além daquela amizade, disfrutava-se duma alimentação melhorada, desde aquele petisco, que se fazia com o sangue do porco, a outros petiscos mais. Sempre com o acompanhamento daquele copo de vinho, saído do garrafão, sem que, antes de começar esta tarefa logo pela madrugada, se tenha aquecido a garganta com aquele mei-grogue, que naquelas manhãs frias de dezembro, caia muito bem, goela abaixo que, para além de aquecer a garganta também aquecia o peito e o próprio estado de espírito.
Era neste ambiente, que se passava a manhã na preparação do animal, numa tarefa que terminava pela hora do almoço, para que o animal ficasse em condições de se poder salgar a sua carne, já depois do anoitecer.
Íamos para o almoço numa alegre cavaqueira, onde o contributo do garrafão tinha sido fundamental naquela animação.
Tudo em paz, rancho melhorado, almoço na barriga, um até logo, porque logo havia mais, já que, a festa continuava noite dentro com a salga da carne; com as espetadas; com as histórias; com as partidas que se faziam com o rabo do porco e outras partes, sempre na companhia do garrafão, enquanto se ia salgando a carne e reservando alguns pedaços desta, para no dia seguinte oferecer aos amigos.
Enquanto não chegava a hora da salga, ficava o animal dependurado como que em exposição, onde ao longo do dia, se convidava os compadres e outros amigos para verem o porco, no pretexto de tomar uma pinga. Estes, olhavam o porco, mediam a grossura da gordura com os dedos, num rasgo que era feito no lombo do porco; comentavam a “grandeza” do animal; molhavam a garganta, um muito obrigado e até amanhã.
Antes do cair da noite, era a alegria do lavar as tripas na ribeira, pelas vizinhas que se juntavam numa interajuda, após um lanche reforçado com fígado de porco, enquanto os mais pequenos jogavam à bola com a bexiga do porco.
No dia seguinte, distribuía-se as ofertas de carne, derretia-se a gordura do porco, que era guardada para tempero da comida para o ano inteiro.
Depois, era continuar a saborear os torresmos e outras iguarias provenientes do porco, ao mesmo tempo, que se ia contando os dias, que faltavam para chegar ao natal.
José Miguel Alves