Crónicas

Fora de época – fotografia e história

FOTOGRAMAS

A imagem de hoje, aparentemente fora da época, dá essencialmente o mote a interpelações no âmbito da relação entre as práticas e conceitos de fotografia e história.

Trata-se de uma imagem feita no rescaldo de abril, mais precisamente, a 29 de maio de 1974, e retrata jornalistas a consultarem arquivos na extinta Direção Geral de Segurança, antiga PIDE, vulga polícia “política” do Estado Novo que a recente revolução então derrubava. A imagem configura-se, a meu ver, sintomática a vários níveis que se interligam. Não tendo pesquisado nada em particular sobre a mesma (sobre a instituição no Funchal, os jornalistas que a protagonizam, etc.), ocorrem-me pelo menos três. É desde logo um testemunho do seu momento histórico, da própria possibilidade, naquele momento, (do movimento) de consulta da documentação das ações de controlo e represálias daquele braço repressivo do regime que era a PIDE (então DGS). É, nesse sentido, um documento da importância do gesto de trazer à luz os documentos que no contexto da própria revolução se tornavam históricos, pertencentes ao passado, visto estarem até então ativos no curso da vida daquela instituição do regime. É ainda sintomática em relação ao papel do jornalista - quer em relação àqueles que retrata a consultar a documentação, quer do próprio fotográfo que, se não era então fotojornalista, se assume enquanto tal ao produzir a imagem – enquanto garante essencial da liberdade (democrática) pela via da revelação da verdade contida nos documentos, nas provas.

Muito mais haveria a dizer sobre esta fotografia e foi o reconhecimento dessa complexidade, de que é um campo de possibilidades aberto ao pensamento sobre a história, que a elegeu como ponto de partida imagético para a Conferência Internacional Fotografia e História. O encontro, (uma iniciativa da Secretaria Regional de Turismo e Cultura e do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s que conta com o apoio de outras instituições), decorre no Colégio dos Jesuítas nos próximos dias 15, 16 e 17. Considera-se como seu ponto de partida que “a relação entre o medium fotográfico e a disciplina histórica tem sido, desde meados do século XIX, motivo de especulação teórica e fonte de analogias e aproximações”, mas que ainda assim “o debate sobre o lugar das imagens na historiografia comporta igualmente inúmeras tensões e silêncios”.

A conferência visa responder à necessidade de debater em torno de fotografias, dos “seus usos sociais, da sua circulação num mundo de imagens e seus múltiplos sentidos para a história”, procurando, assim, “colocar em questão noções como as de facto e acontecimento, visualidade e verdade, real e imaginário.” Uma intenção porventura ambiciosa, essa de procurar o sentido de diferentes conceitos constitutivos da forma como apreendemos múltiplas dimensões da nossa vivência. No entanto, resta dizer que nos contentamos caso nos traga breves fragmentos desse(s) sentido(s), quais fugazes mas luminosos disparos fotográficos.

Nota: a conferência tem uma versão presencial e uma versão online distinta daquela, cuja programa está disponível em https://photographyhistoryconference.wordpress.com.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.