Crónicas

O bom, o mau e o passageiro

O mesmo mar que ajudou a escrever o maior capítulo da nossa história, regressa agora para traçar o nosso futuro

Vamos a factos sobre a vacinação das crianças contra a COVID-19. A DGS recomendou vacinar cerca de 640 mil crianças entre os 5 e os 11 anos. Estima-se que, nessa faixa etária, quase metade das crianças já tenham sido infetadas com o vírus. De todas as crianças infetadas, 20 precisaram de internamento nos cuidados intensivos. 99% das crianças infetadas tiveram sintomas ligeiros ou inexistentes. A pergunta impõe-se. Vamos vacinar 640 mil crianças para evitar menos de 0,01% de internamentos? Com estes dados, não surpreende que o parecer dos especialistas sobre a vacinação de crianças saudáveis tenha custado tanto a ser publicado.

O bom: Reserva Natural das Selvagens

Tudo começou com as cagarras. 50 anos depois, a mais antiga reserva natural do país tornou-se na maior da Europa. Na verdade, a reserva natural das ilhas Selvagens, embora impressione pela dimensão, distingue-se por ser das poucas a proibir qualquer tipo de pesca. A imensidão dos 2677 km2 de área marinha abrangida, antes apenas 97 km2, torna difícil imaginar a verdadeira extensão do mar que passámos a proteger. Até podemos não alcançar o horizonte da reserva, mas as suas consequências são bem visíveis. Em primeiro lugar, coloca a Madeira na linha da frente da proteção dos ecossistemas marinhos. Só isso tem um valor incalculável. Pelo exemplo que damos, pelo conhecimento científico que passaremos a aprofundar e pela simples possibilidade de manter aquela zona recheada de vida marinha. Ao contrário do que se possa pensar, as áreas marinhas protegidas alimentam as zonas de pesca à sua volta. A proteção não é concorrente da exploração. Isto significa que as Selvagens serão uma autêntica reserva de biomassa, que acrescentará valor a toda a atividade piscatória que lhe for circundante. Em segundo lugar, o compromisso renovado da Madeira com as Selvagens é um investimento no mar que nos rodeia. O mesmo mar que ajudou a escrever o maior capítulo da nossa história, regressa agora para traçar o nosso futuro. Esse futuro é a extensão da plataforma continental. As Selvagens são instrumentais para essa pretensão. Após a extensão, teremos um território marítimo 40 vezes superior ao terrestre, ou seja, 97% do País será mar. Essa seria razão de sobra para sermos um país marítimo. Mas não. Portugal é um país com mar, mas não é um país marítimo. Com a República à deriva, tem sido a Madeira a liderar a estratégia nacional para o mar. As Selvagens são, mais um, exemplo disso.

O mau: Catarina Martins

Talvez influenciada pelo percurso profissional como atriz, a líder do Bloco veio à Madeira fazer um número de teatro. Para primeiro ato, Catarina Martins apresentou-nos um clássico ajuste de contas. À boa moda soviética, questionada sobre a anterior liderança regional do BE, Catarina esqueceu-se de Paulino Ascenção e cantou aleluias a Roberto Almada. Há esquecimentos que, até eu, consigo compreender. Revisto o passado do partido, Catarina Martins lançou-se na encenação principal. Primeiro, umas generalidades sobre autonomia. Representante da República? Temos de estudar soluções diferentes. Autonomia? Temos um projeto. Lei das Finanças Regionais? Sempre tivemos essa preocupação. Armado o cenário e entretidos os camaradas, a líder do Bloco dedicou-se ao monólogo principal. O drama e o horror do Centro Internacional de Negócios da Madeira. Uma aldrabice. Um esquema de roubar receitas fiscais. Um off-shore que faz de conta que cria empregos. Uma vergonha internacional, anunciou na televisão pública. É assim que Catarina se sente bem. A saltitar de generalidade em generalidade, apimentando cada declaração com acusações à direita e promessas de luta contra o grande capital. Os camaradas gostam, garante bons títulos de jornal e poupa-se no trabalho de preparação. Para a líder do Bloco, a política é um teatro em que ganha quem encarna melhor o papel. Catarina Martins até pode ser contra o Centro Internacional de Negócios, o que lhe fica mal é o desconhecimento das 1550 pessoas que trabalham em empresas do Centro e dos 108 milhões de euros de impostos que ficaram na Madeira, só em 2020. Daqui a 4 anos, ou seja, da próxima vez que voltar à Madeira, que venha melhor preparada.

O passageiro: Eduardo Cabrita

6 meses depois, Cabrita demitiu-se. Poderia ter sido um remedeio para a impunidade que se seguiu ao atropelamento na A6. Um ensaio final de dignidade. Uma réstia de decência. Não foi. Cabrita demitiu-se pela imagem de António Costa e para proteger o Partido Socialista. Dito pelo próprio. Bem vistas as coisas, o ministro saiu da mesma forma que governou. Incapaz e impune. Foi assim no episódio das golas de fumo, no homicídio de um ucraniano no Aeroporto de Lisboa ou na desastrosa extinção do SEF. Ao longo dos 4 anos de governação, Cabrita teve o condão de transformar situações difíceis em desastres de comunicação. Nem o momento da sua demissão escapou a essa triste sina. Primeiro, confessou-se simples passageiro da sua viatura oficial. Antes, tinha tentado atirar a culpa para a falta de sinalização na estrada. Depois, atribuiu ao veículo o estatuto de vítima do acidente. Por fim, demitiu-se de um governo que já estava demissionário. Ao ministro socialista não há responsabilidade que lhe toque. “Rejeito responsabilidades”, poderia ser o título da sua autobiografia. Previsivelmente, no dia da apresentação, Cabrita negaria ter escrito o livro e ordenaria um inquérito para apurar a verdade.