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Natal, tempo de esperança, tempo de amor

Mas o Natal – é bom dizê-lo – por mais pagão que se apresente, não anda longe da celebração de Jesus

Enfeites de Natal. Os enfeites de Natal não são de Natal. Bolinhas, fitas, estrelas. A pouco e pouco foram desaparecendo todos os sinais pessoais. Não nasce nem nasceu ninguém. Acabou o presépio e até o Pai Natal, que ainda era alguém, ficaram as renas. Esvaziaram tudo o que era pessoal. Razões ideológicas ou económicas? Certamente as duas ajudaram-se. Ficam as “Boas Festas”. A quem? Porquê? Onde está o festejado?

Se o acontecimento extraordinário do Natal, o nascimento do Menino de Deus, é o ponto de chegada de um longo percurso histórico e espiritual, Deus ao longo dos séculos foi preparando a humanidade para este nascimento. Preparou primeiro um povo especial, o povo de Israel e, a partir de Abraão, uma linhagem, uma cultura, um desejo e uma espiritualidade para acolher o Menino. Maria é fruto desse longo amadurecimento, a mulher que sabe dizer a Deus o sim de um amor sem divisão, e desse amor fecundo nasce Jesus, o nosso Salvador e Senhor.

Maria é o grande modelo de quem sabe escutar Deus, da pessoa fiel que foi capaz de captar o que Deus lhe pedia. É a cheia de graça, isto é, totalmente aberta a Deus, totalmente disponível para a missão que lhe é pedida. E por isso é bem-aventurada, feliz em plenitude.

A razão da Esperança. A expressão do amor.

A Esperança, já vos disse, vem de ser autêntico, de não me deixar dominar por ansiedades, de estar convencido de que o meu papel neste mundo é criar futuro para mim e para os outros, porque a Esperança é tornar-nos criadores de futuro. É claro que há sombras densas diante de nós e existem muitas razões para esta sociedade depressiva, mas isso não nos pode dominar e vencer.

Sem fé é muito difícil ter um olhar positivo sobre o mundo.

Mas, Natal também é essencialmente amor. Porque amor é compreender o outro, dar-lhe lugar certo, ir ao encontro das suas necessidades e dar-lhe, equilibradamente, o que ele precisa e eu lhe posso dar. Ora isso só se faz com inteligência, com uma sensibilidade de quem sabe discernir. Inteligência que quer dizer “ler por dentro” a realidade. Posse e prazer são uma caricatura do amor. Entregar-se e acolher inteligentemente é próprio de quem se ama. Aqui o grande modelo é Cristo.

Dos meus tempos de menino e moço ficam as imagens dos Natais que já vivi. Na síntese pessoal da própria história faço uma leitura dos sinais dos tempos, não renegando o caminho que todos tomamos, mas reconhecendo que a maturidade da vida permite novos olhares sobre todas as coisas. E que não faltam praças de reencontro.

Muitos têm, neste tempo de Natal e de crise, ajudado com a sua reflexão, a descobrir tantas convergências que antes pareciam impossíveis.

É um abraço tímido, novo, natalício, “sem vencedores nem vencidos”.

Mas o Natal – é bom dizê-lo – por mais pagão que se apresente, não anda longe da celebração de Jesus, ao enaltecer a solidariedade, a ternura, a família, o encontro, ainda de consoada fugaz, não anda longe. Mas é preciso que se faça ver e ouvir, e melhor se explique. Se não, escapa-se como mais uma efeméride que não nos autoriza a levantar a cabeça para vislumbrar que afinal o Reino de Deus está próximo.

Ao dizermos, vezes sem conta, que a celebração do nascimento de Jesus nem de perto nem de longe se restringe a uma dobadoira de luzes artificiais que nada iluminam, mas apenas divertem o olhar. Mas o facto é que alguma economia se reanima nesta quadra, e empresas há que não “sobrevivem” sem o Natal. Por isso, em tempo de escassez assistimos a algumas iniciativas tíbias, sem saber se navegam no mar tradicional da ilusão ou são um real contributo para a saída da crise que já nos cansa e que queremos exorcizar. É essencial não perder os gestos de solidariedade, festa e partilha de afectos através de símbolos. Talvez se possa reconverter a indústria da qualidade: investir mais no significado e menos no objecto que se compra – por prazer, necessidade, partilha, amizade, ou mesmo – e esse é o ponto mais digno – o que melhor celebra o Nascimento de Jesus. Se com a crise, desaparece o Pai Natal em toda a sequela de mitos que arrasta não se perde grande coisa. Não é grave se ele for para o desemprego desde que se salve o sinal profundo que se pretende exprimir.

É o Natal concreto que Deus envia e nós reformulamos com a nossa infantilidade e com os velhos truques que só nos enganam a nós mesmos.

Vem aí. Vem ao nosso encontro. Este Natal de rosto duplo mas aonde pode brilhar o rosto de Deus nas luzinhas do mercado, à mistura com um paganismo trauteado em melodias ternas onde não se descobre o endereço do presépio.

Silêncio semelhante acompanhou os passos perplexos de José e Maria na sua caminhada até Belém. Afinal era o Filho de Deus que estava a caminho. Para simplificar chamemos ao ontem e ao hoje o mistério do infinito de Deus no espaço estreito do Homem.

De facto, foi a vinda de Jesus que vestiu Deus da nossa carne, assemelhando-o em tudo a nós, excepto no mal. Antes dele nos livrar. E esse mistério torna-se particularmente visível no Natal. No anúncio feito a Maria, nas dúvidas de José, na intervenção de João Batista, na aproximação a Belém, no nascimento, no presépio, nos Magos. Foi Deus que chegou. Deus em pessoa. Bem diferente de um transcendente abstracto.

Neste mistério ninguém fica de fora porque não há nada lá que não diga respeito à vida de cada um de nós. E à morte. É a luz perpétua como estrela de Natal sobre as nossas frontes. Exacto. É uma luz plural. Ninguém possui, só, nem virtude nem pecado. Posso citar um pouco? Ninguém vive só. Ninguém vive sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço, realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem. A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como Cristãos não basta perguntarmos como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros estejam salvos e nasça para eles a estrela da esperança.

Um Santo Natal para todos.