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Não há duas sem três

Os produtos tecnológicos, por exemplo, já estão claramente mais caros

Enquanto ainda se encontram por solucionar os problemas gerados pela crise pandémica que persiste no tempo com novas vagas e novas variantes, e os aumentos provocados pelo custo dos combustíveis, surge-nos um novo problema: Uma crise nos canais de distribuição.

Num momento em que o aumento das poupanças das famílias e as bazucas de incentivos ao investimento indicavam que teríamos uma recuperação económica sem precedentes, aparece uma nova wild-card que nos troca as voltas e nos faz prever recuperações mais tímidas. Temos fábricas que querem produzir, famílias que pretendem consumir, mas deparamo-nos com um cenário em que os bens de consumo estão a chegar às prateleiras cada vez mais tarde e cada vez mais caros. Temos produtos para chegar ao mercado, que passam cada vez mais tempo à espera de transporte marítimo, pois faltam os contentores, faltam os navios e os portos não conseguem responder à procura. Este desajuste já dobrou o custo do transporte marítimo na rota Ásia/Ocidente. Mas muitos economistas dizem que o maior impacto negativo provocado por este garrote comercial entre a Ásia e o Ocidente e os seus efeitos em toda a cadeia de distribuição, será sentida mais claramente durante 2022. O efeito não é imediato, mas continuando neste caminho, esta crise terá efeitos nos preços do consumidor final e terá efeitos no PIB de muitos milhões de euros, com um efeito próximo a 1%.

Os produtos tecnológicos, por exemplo, já estão claramente mais caros, fazendo com que as principais marcas estejam a focar esforços na venda de produtos Premium, geradores de maior lucro, deixando as opções de gama média para segundo plano. Desta forma ganham algum tempo, ultrapassando a dificuldade em adquirir chips e ganhando alguma vantagem frente aos atrasos verificados na cadeia de distribuição. Esta crise dos canais de distribuição não afeta unicamente o comércio de equipamentos tecnológicos, mas é transversal a toda a indústria, sendo que terá um efeito mundial negativo atingindo retrocessos na procura a nível internacional. A indústria automóvel é outra das mais prejudicadas, sendo que os desajustes entre a oferta e a procura registados recentemente na indústria dos semicondutores e circuitos integrados estão a ter um impacto muito significativo neste sector, sendo que muitos fabricantes já se viram obrigados a reduzir, ou até mesmo paralisar, os seus planos de produção.

A deslocalização geoestratégica de uma importante fatia da produção mundial para o oriente também não ajuda à festa, porque provoca uma polarização na oferta que condiciona o processo logístico, deixando evidente que a produção mundial não pode ser essencialmente unipolar.

Durante o último trimestre já se verificaram importantes disrupções nas cadeias globais de distribuição que condicionaram o grau de otimismo na expectativa da recuperação nas principais economias mundiais. No entanto, nem tudo é negativo, porque uma particularidade deste estrangulamento nas cadeias de distribuição é que está a afetar os diversos ramos de atividade de forma muito heterogénea. Incidem principalmente nas zonas mais a montante na cadeia de valor, afetando aquelas empresas que distribuem bens que são utilizados por outras indústrias. No entanto, como é habitual, estes constrangimentos far-se-ão sentir ao longo da cadeia de distribuição, sendo que são esperados aumentos nos custos dos produtos finais, que serão inevitavelmente suportados por todos nós.