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Gestação de substituição - Visão Budista

Na conceção do budismo, a decisão de gerar uma vida, deve ser considerada com total seriedade e reflexão

Decorreu nos dias 15, 16 e 17 do mês passado, o Congresso Internacional de Bioética, organizado pelo Centro de Estudos de Bioética - Polo da Madeira, onde no painel das tradições espirituais foi abordado o tema, “O início de vida na perspetiva de cada religião”, incidindo o tema, mais precisamente, sobre a gestação de substituição. Honrosamente, participei a convite e em representação da União Budista Portuguesa, instituição em que na R.A.Madeira, fui cofundador em 1999 e representei de 2001 a 2014. É o texto que elaborei e serviu de apoio à minha intervenção que agora vos deixo: “O Budismo é uma tradição espiritual, não teísta, com origem na India, há cerca de 2600 anos, tendo-se espalhado praticamente por toda a Ásia. No século XIX, o filósofo Arthur Schopenhauer, é o grande responsável pelo início do diálogo entre as filosofias oriental e ocidental, tendo nessa altura sido por ele alvo de reflexão, uma série de conceitos budistas. Hoje o budismo encontra-se em quase todos os países do mundo, sendo a sua doutrina (Dharma) baseada nos ensinamentos de Buda, que podemos traduzir como o “Desperto” ou “Iluminado”, e esses ensinamentos estão fundados e condensados no seu primeiro ensinamento, denominado as “Quatro Nobre Verdades”, que muito sucintamente nos dizem:

A primeira Nobre Verdade refere-se à constatação da existência do sofrimento como realidade existente;

A Segunda Nobre Verdade identifica as causas do sofrimento;

A Terceira Nobre Verdade anuncia que há um caminho que leva ao fim do sofrimento;

A Quarta Nobre Verdade indica o caminho para a cessação de todo o sofrimento.

Para a doutrina Budista, a origem da vida, seja pelo método natural, seja por gestação de substituição, embora perceba e observe os potenciais problemas éticos, não há formulação de juízos de valor. A responsabilidade é individual e deve sempre ter em conta o outro. A felicidade encontra-se na capacidade de compreender a natureza da vida e do universo, percorrendo o processo da vida e da morte com compaixão e sabedoria. Na conceção do budismo, a decisão de gerar uma vida, deve ser considerada com total seriedade e reflexão, e a motivação deve ser a mesma que a conceção natural encerra, pois, as causas e efeitos deste ato, determinarão a própria condição de vida e a felicidade do ser. Assim, a decisão pelo procedimento de métodos alternativos de conceção da vida humana, requer uma análise de consciência pessoal. De todo o modo, do ponto de vista Budista, o que determina o resultado da ação é a motivação que lhe está associada e se essa for dar amor a um novo ser, nada a opor. Quer dizer, não há uma censura prévia, nem direta, sendo, no entanto, a própria doutrina um apelo permanente à responsabilização, pois o foco é não só suprir o sofrimento, como também não contribuir para a sua instalação. O budismo interpreta a vida como algo contínuo e acredita no renascimento, no renascimento de uma parte muito subtil da mente. Do ponto de vista do renascimento, a existência humana é uma “existência intermediária” entre o momento da morte e o do próximo nascimento. A conceção, é o momento em que essa existência intermediária se une à sua próxima forma humana. O nascimento representa assim o início da manifestação cármica e logo que a criança toma consciência de si, é tomada por uma sensação de separação da natureza. O eu ganha uma dimensão de individualização, isto é, o carma manifesta-se gerando um novo eu, semelhante ao anterior, mas não uma continuidade egóica, pois para tal seria necessária uma memória plena, que ninguém trará nitidamente. E é a partir desse evento que, por via da separação que o eu provoca, que se dá o afastamento do outro, abrindo portas à instalação do sofrimento. Esta dualidade, eu e o outro, que o ser humano cria, assumindo-se como entidade autónoma desligada do outro e de tudo o que o rodeia é-lhe fatal, pois a partir dai as chamadas emoções negativas, como seja a raiva, a ira, o ciúme, a inveja, etc, instalam-se invariavelmente à “flor da pele”, e os sentimentos como o amor, a compaixão, a tolerância, a bondade, precisam de ser trabalhados para que se manifestem e se instalem permanentemente. E é aí que a doutrina Budista vem com toda a sua bagagem, sustentada em dois grandes pilares:

O Pilar da Sabedoria, que é a visão filosófica Budista que nos fala da interdependência dos seres sencientes e da não existência de uma realidade intrínseca dos fenómenos, pois a sua manifestação só se verifica por ligação a outro qualquer acontecimento. Daqui resulta o conceito de carma (ação), a lei da causalidade e a constatação da vacuidade.

E o pilar da Compaixão, que se traduz numa atitude amarrada na aspiração de que os outros seres se libertem do sofrimento e está vinculada ao compromisso, responsabilidade e respeito para com todos os seres sencientes, que tal como qualquer ser humano, têm o direito de respirar a felicidade, ocorrendo a sua manifestação quando atingimos um nível de consciência que nos permite “ver” que fazemos parte de uma unidade, momento em que o outro passa a ser parte nossa, pois a nossa atenção deixa de estar focada no bem particular, fonte de egoísmo, e passa a incidir no bem-estar coletivo, aquele que restaura e une o homem com os outros seres.

O resultado da assunção destes dois pilhares, a Sabedoria e a Compaixão, é a vivência direta e plena da natureza do mundo e do nosso ser.