Assalto ao Consulado português no Rio é "caso isolado", mas segurança deve ser reforçada
O assalto ao Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, na madrugada de 30 de outubro, foi um "caso isolado", mas a segurança no local deve ser reforçada, disseram à Lusa especialistas em violência urbana do Brasil.
Na ocasião do crime, assaltantes armados invadiram a residência oficial do cônsul-geral de Portugal no Rio de Janeiro, que é também sede do Consulado, e fizeram o diplomata, Luis Gaspar da Silva, e os seus familiares reféns, que acabaram por ser libertados algum tempo depois, com os assaltantes a levarem do local objetos de valor, num acontecimento visto como "muito raro" por sociologistas.
"É um caso isolado. Temos muitos roubos e furtos, mas com os assaltantes entrando na casa, com reféns, ainda mais num Consulado, que é uma mansão, é um caso muito isolado", explicou à Lusa Michel Misse, Professor Titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Fundador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ e autor do livro "Crime e Violência no Brasil Contemporâneo", Michel acredita que como o Consulado fica muito próximo à favela Santa Marta, é "muito provável que os assaltantes tenham saído dessa favela e procurado entrar por trás (da residência), porque pela frente seria impossível, devido à segurança".
Já Carolina Christoph Grillo, professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), detalhou que os roubos mais comuns no Rio de Janeiro são os de rua, "a transeuntes que circulam nas calçadas, de veículos ou ainda roubos dentro de autocarros".
"É mais raro assaltos a residências, muito mais raro que ocorram em apartamentos. Na região do Rio de Janeiro onde moro, em Santa Teresa, os moradores têm muito essa preocupação, principalmente quando a casa tem fundo para uma mata, porque isso gera uma situação de fragilidade para aquela residência em particular ", disse, comparando com a situação do Consulado, que também tem uma mata próxima.
O que causou alguma perplexidade à especialista é que, aparentemente, o código de conduta que as fações locais de tráfico de drogas costumam implementar não tenha sido seguido, no caso de os assaltantes terem realmente partido da Favela Santa Marta.
De acordo com Carolina, as casas mais próximas às favelas não costumam sofrer esse tipo de assalto.
"Na verdade, as firmas locais de tráfico de drogas costumam reprimir e proibir os ladrões que residem nessas favelas de furtarem ou roubarem no entorno. Por exemplo, assaltantes de carros que vivam numa favela controlada pelo Comando Vermelho terão de roubar veículos noutro bairro e não onde moram", disse Carolina Grillo.
"Normalmente há uma indicação nesse sentido, mas acontece de algumas quadrilhas desrespeitarem esse tipo de regra ou, por alguma situação muito especifica, abrir-se uma exceção para a prática de assaltos usando uma trilha da favela até ao Consulado. Sendo um crime de repercussão, que envolve um Consulado estrangeiro, admira-me muito que as lideranças de tráfico tenham autorizado uma ação dessas", avaliou.
Na madrugada do assalto, testemunhas disseram à polícia que os assaltantes não sabiam que ali funcionava o Consulado, acreditando tratar-se apenas de uma mansão.
Contudo, Carolina Grillo, cujos trabalhos académicos se têm focado na violência urbana no Rio de Janeiro, "duvida muito" que os assaltantes tivessem entrado naquela mansão sem informações prévias, acrescentando que, "normalmente", os criminosos obtém informações privilegiadas sobre o local através de "funcionários, casas vizinhas ou vigias nas ruas".
"É possível que os assaltantes não soubessem que ali era um Consulado, ou que nem soubessem o que é um Consulado, isso é perfeitamente possível. Podiam pensar que era alguma residência de estrangeiros. Mas alguma informação sobre aquela residência certamente eles tinham", afirmou à Lusa.
"Normalmente, uma invasão a uma residência costuma ser planeada. Então, há um mínimo de observação do local, de rotinas. A quadrilha não precisa de ser tão profissionalizada para ter a preocupação de ver se há algum segurança armado. Às vezes são obtidas informações com funcionários que trabalham no local ou em casas vizinhas ou com vigias da rua", revelou.
Segundo a especialista em violência urbana, "é muito comum que exista alguém oferecendo informação privilegiada para essas quadrilhas, para que se sintam seguras, como informações sobre objetos de valor, sobre horários".
Ainda de acordo com Carolina, a segurança do Consulado de Portugal no Rio de Janeiro deveria ser reforçada com barreiras físicas, como com "cercas elétricas ou até com um cão no local", mas frisou que "não há impunidade para assaltantes" naquela região.
"Dificilmente essa quadrilha volta ao local. (...) Não há impunidade para assaltantes. A polícia investiga todas essas quadrilhas (...) e, em breve, todos eles estarão presos ou mortos porque a nossa polícia é extremamente violenta. Mas vai existir sempre a possibilidade de algum grupo entrar pelos acessos da mata (atrás do Consulado)", alertou, em entrevista à Lusa.
Em relação aos assaltos violentos no Rio de Janeiro, ambos os especialistas reconhecem que é um dos principais problemas da região, com milhares de ocorrência por ano, mas salientam que têm diminuído nos últimos anos.
Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2020, ano de pandemia, em que "o isolamento social mudou muito os padrões das dinâmicas" e em que números da violência foram menores, registaram-se 87 vítimas de roubo seguido de morte (latrocínio) - o menor valor desde o início da série histórica em 1991-, 71.966 roubos de rua, 30% a menos do que em 2019, e 3.653 vítimas de "crimes violentos letais intencionais", que englobam homicídio doloso, roubo seguido de morte e lesão corporal seguida de morte.