Artigos

Resiliência dos escravos do SNS ou a falta de noção da ministra?

Começo este texto com as definições de “resiliência” e “escravo”. Segundo a última edição do dicionário de língua portuguesa da Porto Editora, a palavra “resiliência” significa: “capacidade de reagir e superar contrariedade ou situação de crise; faculdade de quem consegue lidar de forma positiva com fatores ou condições adversas”; capacidade de reagir a trauma ou dificuldade, sem perda do equilíbrio emocional”. Já um “escravo” é “uma pessoa privada de liberdade e submetida à dependência de alguém que a explora em seu proveito”.

Contextualizando… A nossa ministra da saúde, Marta Temido, na passada quarta-feira, dia 24 de Novembro de 2021, questionada sobre a falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o recurso às horas extraordinárias, respondeu “É bom que todos nós, como sociedade, pensemos nas expectativas e selecção destes profissionais. Porque, porventura, outros aspectos como a resiliência são aspectos tão importantes como a sua competência técnica”.

Senhora ministra, todos os profissionais de saúde são resilientes, isso lhe garanto! Agora, não confunda resiliência com escravatura! A classe médica é a que, DE LONGE, faz mais horas extraordinárias! É a que, DE LONGE, mais trabalha para que este frágil SNS não morra de vez!

Sim senhora ministra, nós sabemos para o que viemos, ou não fosse a palavra “resiliência”, uma das que mais ouvimos logo nos primeiros anos de faculdade! Ao contrário do que pensa, nós não saímos do SNS de ânimo leve. Só o abandonamos porque deixamos de ter condições para lá trabalhar… porque somos obrigados a fazer milhões de horas extraordinárias… porque temos que realizar bancos de vinte e quatro horas, por vezes, mais que uma vez por semana para um decente funcionamento das urgências… porque trabalhamos em hospitais sem condições dignas para os cuidados e cuidadores… porque recebemos um mísero ordenado perante estas condições todas… Por muito amor à bata, ninguém merece trabalhar nestas condições, por muita resiliência que tenha.

Segundo o bastonário da Ordem dos Médicos, Doutor Miguel Guimarães, só no ano passado, os médicos deste nosso Portugal realizaram mais de oito milhões de horas extraordinárias. Sim, leu bem, OITO MILHÕES… Este número dava para contratar cinco mil médicos para o SNS, com um horário de quarenta horas semanais, que é o que está no contrato de trabalho de todos os médicos!

Se Portugal fosse um país decente, ninguém apelava ao aplauso aos médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares… se Portugal fosse um país decente, não dava uma final da liga dos campeões, como “recompensa” pelo trabalho realizado pelos profissionais de saúde nesta era COVID… se Portugal fosse um país decente, teríamos alguém competente, e com noção das coisas, à frente do ministério da saúde… se Portugal fosse um país decente, nenhum médico abandonaria o nosso serviço nacional de saúde, por falta de condições de trabalho… se Portugal fosse um país decente, Marta Temido não era ministra da saúde!