Crónicas

O bom, o mau e o desajeitado

O Partido Comunista apresentou, esta semana, os seus candidatos à Assembleia República. No meio de vários camaradas, salta à vista o nome de Jerónimo de Sousa. 74 anos, secretário-geral do partido e operário metalúrgico. O que surpreende não é a profissão, mas a distância que a separa de Jerónimo. O mesmo Jerónimo que foi deputado na Assembleia Constituinte e depois em 13 legislaturas: 1976, 1979, 1980, 1983, 1985, 1987, 1991, 2002, 2005, 2009, 2011, 2015, 2019. A longevidade parlamentar é tanta, que recomenda uma atualização biográfica. Jerónimo de Sousa, profissão: operário metalúrgico, hobby: deputado.

O bom: Ryanair

Na semana em que a nova Presidente da TAP veio à Assembleia Regional renovar os votos de amor e lealdade da companhia à Madeira, pagos a peso de ouro, a Ryanair aterrou na ilha com estrondo. 350 mil lugares, 10 rotas, 5 novos destinos e 21 ligações semanais. Para além disso, a companhia irlandesa promete instalar, a partir de Março de 2022, uma base de operações na Madeira com o posicionamento de duas aeronaves. A chegada de um novo concorrente à rota insular terá um duplo impacto. O primeiro será na tarifa, criando uma pressão acrescida para a baixa dos preços praticados. O segundo será na possibilidade de captação de novos mercados que, até hoje, não beneficiavam de ligações diretas à Madeira. O primeiro sinal de mudança veio da TAP. Christine Ourmières-Widener, presidente executiva da companhia nacional, queixou-se da entrada do novo concorrente, mas não explicou como pretende reagir. A culpa não é da assalariada francesa, contratada para dar a cara pelo que o Governo não pode ou não quer dar, mas revela a forma como a companhia pública destrata uma parte do território nacional. Para a TAP, a Madeira é a galinha dos ovos de ouro, que permite, num voo doméstico, cobrar o preço de uma viagem intercontinental. Por isso, a companhia aérea abandonou o Porto Santo, deixou de viajar a partir da Madeira para o resto da Europa e limitou-se aos serviços mínimos para Portugal Continental, onde sabe que pode cobrar preços máximos. É para isto que precisamos de uma companhia aérea de bandeira?

O mau: Marta Temido

Num momento de especial infelicidade, Marta Temido, ministra da Saúde, afirmou que a resiliência deveria ser um dos critérios no momento da contratação de profissionais de saúde. Temido, respondeu, desta forma, a propósito da falta de médicos e enfermeiros no serviço público de saúde e sobre o recurso repetido às horas extraordinárias. Nas entrelinhas ficou um apelo à capacidade de resistência dos profissionais. Em bom português, “aguentem-se, que faz parte”. Longe vão os dias em que se oferecia a Liga dos Campeões como prémio aos médicos ou em que se enchiam marquises com o som das palmas aos enfermeiros. Pode, a ministra, ter ficado perdida na interpretação, o que não pode é ignorar a debandada dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde. Desde Maio de 2021, saíram mais de 400 médicos dos hospitais públicos. Até Setembro, acumularam-se mais de 17 milhões de horas extraordinárias e gozaram-se menos de metade dos dias de férias do que em igual período de 2019. O sistema ainda não colapsou, precisamente, pela resiliência da sua peça mais importante: os profissionais de saúde. Os que trabalham 60 horas por semana, com contratos de 40. Os que fazem turnos de urgências de 24 horas. Os que têm dezenas de folgas por gozar e que nunca as pediram. O que inquieta não são as declarações da ministra, mas a sua incapacidade em reconhecer as condições impossíveis em que médicos, enfermeiros e assistentes operacionais trabalham. E isso não se resolve com um pedido de desculpas.

O desajeitado: Rui Rio

Diz o povo que pela bagagem já se conhece o passageiro. No caso de Rui Rio, a bagagem que trouxe na recente visita partidária à Madeira mostra bem ao que veio. Bem vistas as coisas, o desafio de Rio na vinda à Região, à imagem de qualquer outro candidato à liderança do PSD, é de compromisso com a Madeira. Os problemas estão sobejamente identificados. A TAP e a mobilidade aérea, o relacionamento financeiro com a República, o Centro Internacional de Negócios e o sistema fiscal próprio. Quem cá vier à procura de apoio, tem de trazer resposta a estas perguntas. Rio veio, mas não as trouxe. Sobre o Centro Internacional, foi confuso e desajeitado. Arriscou uma comparação da nossa realidade com a de outras praças e perdeu uma oportunidade para assumir-se defensor de um instrumento decisivo para o desenvolvimento da Madeira. Sobre todas as outras questões que separam a Região da República, remeteu-as para um grupo de missão. Alegadamente, para tentar resolver o que está pendente. Como se fossem questões demasiado menores para um futuro chefe de governo. Se isso não fosse desconsideração suficiente, Rio ainda ensaiou a possibilidade de um ministro para as regiões autónomas. Só lhe faltou anunciar a dimensão da gaveta onde seriam esquecidos os problemas regionais. Tudo isto tem o aroma inconfundível da falta de compromisso, com notas marcantes de inabilidade política. A mesma inabilidade que permitiu a Rio lembrar-se de uma revisão constitucional na iminência do chumbo do Orçamento do Estado ou de confundir o perdão fiscal à EDP com o financiamento do novo hospital da Madeira. Se isto não é desrespeito, será certamente falta de jeito.