Os fins justificam os meios?
O governo madeirense abriu um precedente grave, propagandeado com ruído desnecessário, por via da trapalhada comunicacional, mesmo que com propósitos compreensíveis. Tudo porque difundiu em cadeia nacional, de forma repentista, autoritária e sem cautelas funcionais, que os fins justificam os meios, ou seja, que de pouco valem direitos, liberdades e garantias quando está em causa um bem maior, o controlo eficaz da situação sanitária resultante da pandemia atrevida e permanente, o bom funcionamento do sistema de saúde pública e a preservação da vida.
O governo madeirense inaugurou uma nova era na gestão da vida colectiva sem cautelas transversais, nem diálogo democrático, porque se sente protegido pelo poder legislativo e pela representação da República. Ambos deixaram claro que as dúvidas dos cidadãos mais inconformados são atendíveis mas que “num Estado de direito democrático, as normas emanadas pelos órgãos próprios gozam da presunção de legalidade pelo que aquelas dúvidas só poderão ser superadas com o recurso aos tribunais e, até lá, essas normas mantêm plena validade”. Ou que as medidas são para cumprir porque este tempo “é de união e não de divisão, que lança dúvidas e gera revoltas, susceptíveis de afastar as pessoas do essencial, que é a defesa da sua saúde e de toda a população”.
O governo madeirense pisou o risco também porque se sente amparado por um hábito instalado num povo exemplar e obediente, que não ousa questionar a aplicabilidade de medidas discriminatórias e cumpre sem reparo ordens para vacinar ou testar.
As obrigações e recomendações ditadas de forma atabalhoada, sem pareceres, nem contributos de todos os envolvidos no combate à Covid-19 para testar reacções e só 24 horas depois elaborar a resolução a partir da qual são definidos comportamentos e julgamentos; a responsabilização de terceiros pela fiscalização das restrições anunciadas, lavando as mãos num processo com implicações laborais, empresariais e económicas; a marginalização de não vacinados e até perseguição de quantos questionam a constitucionalidade de regras impraticáveis espelham com eloquência agravada uma forma de governar.
Ninguém de bom senso na Região quer que um dos seus ou um dos que nos visitam morra ou sofra por incúria, à conta do extremismo negacionista ou devido à surpresa lançada pelo vírus desconhecido. Ninguém com valores nas ilhas tolerantes quer que voltemos ao confinamento gerador de incertezas e de desemprego. Ninguém nesta terra aceitaria voltar ao calvário que provocou rupturas comunicacionais, sacrifícios desmedidos, descartou talentos e introduziu o medo como modo facilitador da governação.
Todos queremos vencer o que nos tornou diferentes, distantes e frágeis. Mas a meta faz-se de forma inclusiva, ponderada e coerente. Não foi o que sentimos perante um poder executivo que decidiu como bem entendeu, confundindo a população, e depois emendou para não cair em descrédito total, adiando soluções em nome de uma alegada adaptação, insistindo em erros de palmatória, exibindo centenas de novos vacinados e catalogando contestatários. Devia perceber que terá que ser consequente com o princípio e com a narrativa que introduziu e que não vale tudo para salvar a pele política, mesmo que a intimidação, tenha sido feita à boleia do facto de quase 85% da população madeirense estar vacinada, situação que não dá legitimidade a nenhum governo para discriminar quem quer que seja.