Ranger de dentes
Tenho uma amiga que costuma desafiar-me para discussões sempre muito profícuas sobre a política regional. Constantemente esta minha amiga lembra-me o texto bíblico de Lucas 13:28 “haverá grande lamento e ranger de dentes” e profetiza que, por cá, não será diferente.
É admirável como o cidadão comum sabe mais de política do que pensa. A arte de fazer política não é a arte da trapaça como muitos possam crer. Não aceitar que política seja sinónimo de trapalhadas, corrupção, mentira e show off é, na realidade, ser melhor político que muitos políticos da praça. Posso garantir-vos que não se rever neste tipo de política não é sinónimo de não perceber de política. O problema é que na arte de fazer política, não há lugar a ingenuidades.
Tal como canta Martinho da Vila sobre as mulheres, assim existem políticos: políticos de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, políticos com cabeça e desequilibrados, políticos confusos, de guerra e de paz…
E com esta pandemia, vivemos tempos de grande tribulação. A pandemia parece justificar tudo e permitir tudo. Os tempos de crise testam os nossos líderes porque sobre eles recai a responsabilidade de governar e orientar. Mas, testam também a qualidade dos nossos políticos na oposição.
Assustam-me os atropelos à lei. Quem governa, não pode tudo, nem podemos aceitar falta de profissionalismo e qualidade técnica na execução das medidas.
No início da semana passada era já por mais evidente que a situação epidemiológica na Região estava a piorar e exigia a tomada de medidas. Analisando a Resolução n.º 1208/2021 da Presidência do Governo Regional, de 19 de novembro, o Governo Regional, na verdade, RECOMENDA um conjunto de procedimentos que legalmente não passam de recomendações. O problema desta Resolução é a utilização de termos de obrigatoriedade, nomeadamente, no que diz respeito à realização de testes semanais, quando o que ali constam são apenas recomendações.
E o que acontece a quem não tem teste ou certificado de vacinação na entrada dos supermercados ou dos autocarros, por exemplo? A Resolução do Governo publicada nada esclarece sobre as consequências do não cumprimento porque, na verdade, não podem restringir os nossos direitos e liberdades desta forma. Ontem, a empresa Horários do Funchal já afixou informação de que os utentes devem se munir do certificado de vacinação ou de teste negativo. Mas, poderão obrigar-me a mostrar documentos médicos pessoais a todos os motoristas de autocarros com que me deparo, ou a funcionários dos supermercados? E o que dizer dos acessos às missas? Vários constitucionalistas já afirmaram que esta Resolução é ilegal. E o que vai fazer a oposição?
Estamos perante um grande teatro político que abafou todas as questões pendentes igualmente importantes até ao Natal. Já todos se esqueceram que o Presidente do Governo, a 16 de novembro, dava “a garantia de que no arquipélago a situação está sob controlo”. Declarou que “a situação não é grave, nem está a pressionar o sistema de saúde, apelando à população para evitar “histerias”. 2 dias depois declarou situação de contingência. Faça o favor, Senhor Presidente, nunca mais diga que alguma coisa está controlada.
Não obstante esta forma atabalhoada de gerir a situação pandémica, apelo à testagem, pois controlando semanalmente o nosso estado de saúde, podemos mais eficazmente salvaguardar a vida das pessoas que estão à nossa volta e, evidentemente, detetar o mais cedo possível a contração da doença. Estar vacinado não significa que não venha a ter a doença. Assegure o seu estado de saúde e da sua família e faça os testes.
Aproveito ainda este meu espaço mensal para apelar a quem de direito com responsabilidade para corrigir a Portaria n.º 622/2019, de 29 de novembro, que aprova o Regulamento do Estatuto do Cuidador Informal, o qual fixa os critérios e procedimentos necessários para a obtenção de reconhecimento da qualidade de cuidador informal e da dependência da pessoa cuidada, o plano de cuidados e os direitos do cuidador informal, incluindo o apoio financeiro.
Na sequência do definido no n.º 1 do artigo 11 desta Portaria, só se reconhece o estatuto do cuidador informal na Região Autónoma da Madeira aos que cumprem com os procedimentos em vigor para o complemento de dependência, cujo requisito base é ter 18 anos. Consequentemente, os pais cuidadores de filhos com necessidades especiais na Região, com idade inferior a 18 anos, estão impedidos de beneficiar dos apoios existentes aos cuidadores informais.
No entanto, a lei a nível nacional e até o Decreto Legislativo Regional que cria o Estatuto do Cuidador Informal da Região Autónoma da Madeira reconhece todas estas situações. No artigo 3.º, alínea c), do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2019/M, de 17 de julho, define-se que a “Pessoa cuidada” seja “a pessoa, criança, jovem ou adulto, dependente que, por motivos de doença crónica, incapacidade, deficiência, demência ou doença de foro mental, sequelas pós-traumáticas, envelhecimento e/ou situação de fragilidade, devidamente reconhecida através de declaração médica, recebe cuidados e apoio para a prática das atividades da vida diária”.
Para que estas pessoas possam beneficiar dos seus direitos já contemplados em todo o território nacional, é preciso agora corrigir na Região o n.º 1 do artigo 11 da Portaria n.º 622/2019, de 29 de novembro, com a inclusão no texto “(…) procedimentos em vigor definidos no Decreto-Lei n.º 265/99, de 14 de julho (…)”, para que se incluem os procedimentos do complemento por dependência (atribuído a pessoas com idade superior a 18 anos) e o subsídio de assistência à 3.ª pessoa (atribuído às crianças e jovens com idade inferior a 18 anos).
Existe mais vida para além da pandemia e há que lutar para apoiar as pessoas que mais necessitam. Maior exigência técnica e qualidade jurídica exige-se. E já agora para compensar todas as pessoas que vivem nesta situação que se corrija esta lei com efeitos retroativos a todos aqueles que, entretanto, submeteram os seus processos e lhes foi negado o apoio.