O bom, o mau e o berbicacho
Para Costa, governar ao centro ou à esquerda é um pequeno pormenor no grande plano da sua sobrevivência política
Na primeira entrevista após o desaire orçamental, António Costa apareceu estranhamente conciliador. Piscou o olho ao PSD, não fechou a porta ao Bloco e recusou críticas frontais ao Partido Comunista. Em teoria, o Primeiro-Ministro tentou recolocar o PS ao centro, sem negar, se for necessário, nova deriva à esquerda profunda. Para Costa, governar ao centro ou à esquerda é um pequeno pormenor no grande plano da sua sobrevivência política. Para os socialistas, não interessa a cor do gato, desde que cace ratos.
O bom: Plataforma Global para o Ensino Superior
O importante são as pontes. Li-o num artigo sobre Jorge Sampaio e a plataforma que criou, em 2013, para apoiar os milhares de jovens impedidos de aceder ao ensino superior por força de conflitos armados nos seus países. A ponte, para estes jovens, era a hipótese de uma vida normal. O que começou por ser uma resposta à emergência dos estudantes sírios, rapidamente se estendeu a jovens libaneses, afegãos e a tantos outros que viram a guerra interromper-lhes a vida. A primeira fase da plataforma permitiu dar uma nova oportunidade a 300 estudantes, os quais, sem esta iniciativa, estariam condenados ao ciclo vicioso da migração forçada. Esta semana, tivemos notícia de que a plataforma teria sido aprovada pela União para o Mediterrâneo e, com isso, alargada a 10 países que assumiram o compromisso de replicar o que tem sido feito em Portugal. Por isso, a ponte que Jorge Sampaio lançou a estes jovens do outro lado do mundo não termina com o fim do seu percurso académico. Na verdade, os estudantes apoiados por esta iniciativa são a melhor, talvez a única, esperança de um futuro melhor para os territórios dilacerados pela guerra. A pequenina luz que Jorge Sampaio acendeu na vida destes jovens é especialmente importante quando a política externa europeia parece feita de muros e arame farpado. E deve lembrar-nos de qual é a principal missão da União Europeia.
O mau: Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos
Não um, mas dois maus. Em medidas distintas, mas por razões semelhantes. A dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições apanhou desprevenida a liderança de alguns partidos à direita. Embora com desfechos diferentes, no PSD e no CDS a teoria original era a mesma. Convocadas eleições legislativas, as eleições partidárias têm de ser adiadas. Não se tratam, sequer, de golpes palacianos, movimentações de bastidores ou de artimanhas estatutárias. São eleições partidárias pré-agendadas, com datas escolhidas muito antes da crise orçamental. No caso do PSD, Rio começou a acusar Marcelo de beneficiar Rangel na escolha da data das eleições, depois tentaria adiar o processo eleitoral do partido e terminaria na tentativa de antecipação das eleições que tinha tentado adiar. Todo este zigue-zague para evitar um sufrágio que Rangel acabaria por impor. No caso do CDS, a tentativa de suspensão da democracia partidária ganhou requintes de malvadez. Depois de promover um despedimento coletivo no seu grupo parlamentar, Chicão planeou uma fuga para a frente. Mais precisamente, para depois das eleições legislativas. Até lá não há congresso partidário, não há eleições internas, nem confronto com Nuno Melo. E não se trata, no PSD ou no CDS, de preferir um candidato ao outro. Apenas a noção básica de que não se pode querer conquistar o País, sem antes conquistar o seu próprio partido. É, essencialmente, isso que está em causa. Um líder que se furta a eleições é um líder fragilizado. E um péssimo candidato a primeiro-ministro.
O berbicacho: O pós-Legislativas
Marcelo avisou em Março deste ano: “Se os portugueses não dão maioria clara a ninguém, é um berbicacho para o Presidente.”. Se a data das eleições ainda está distante, a possibilidade uma maioria absoluta parece inalcançável. É essa distância que não permite a António Costa muito mais do que pedir aos eleitores uma maioria reforçada para os socialistas. É aqui que começa o berbicacho. À esquerda do PS, o PCP parece indisponível para nova união de facto, o Bloco exigirá um lugar no Governo e ao PAN o que sobra em vontade, falta em número de deputados. À direita do PSD, a coligação pela sobrevivência do CDS depende da vitória de Rio, a Iniciativa Liberal não será suficiente para a maioria e o Chega parece fora de qualquer arranjo parlamentar. Restam, pois, dois cenários em cima da mesa. O primeiro é a pulverização do nosso sistema partidário. A maioria absoluta passa a ser, como nunca foi até à geringonça, condição essencial para a estabilidade governativa. E a fragmentação do voto exigirá pactos e coligações progressivamente mais complexos e, por consequência, mais frágeis. Basta olhar para o que aconteceu em Espanha. O segundo cenário é o regresso ao Bloco Central. Não o de 1983, com a formação de um governo entre PS e PSD, mas com a mera viabilização parlamentar de um executivo minoritário. Para esta cedência, o Presidente da República será instrumental. Nem que seja por Marcelo ter, enquanto líder do PSD, viabilizado três orçamentos seguidos a António Guterres. Berbicacho ou não, têm a palavra os eleitores.