Despacho identifica Paulo Nazaré como líder da rede criminosa
A investigação sobre o tráfico de diamantes e outros crimes ligados aos Comandos identifica Paulo Nazaré como o líder de uma rede criminosa que utilizava transferências bancárias, terceiras pessoas e transações de Bitcoin para branquear capitais.
Segundo o despacho do inquérito, a que a Lusa teve hoje acesso, este ex-militar da 2.ª Força Nacional Destacada (FND) das Forças Armadas, que prestou serviço como soldado na República Centro-Africana (RCA), entre outubro de 2017 e março de 2018, quando voltou à vida civil optou por criar e liderar uma rede criminosa, não tendo desde então desenvolvido qualquer atividade profissional lícita e remunerada.
Paulo Nazaré e o seu alegado braço-direito Wilker Rodrigues foram os arguidos que ficaram em prisão preventiva após as medidas de coação decididas pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre para os 11 arguidos do processo levados a interrogatório.
A investigação refere que a rede criminosa integra militares e ex-militares que se dedicam a obter proventos económicos ilícitos através da contrafação e utilização fraudulenta de cartões de débito/crédito, contrafação e passagem de moeda falsa, tráfico de droga, contrabando de diamantes e ouro, 'phishing', transferências e pagamentos fictícios, transações de bitcoins, acessos ilegítimos e burlas, designadamente informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de capitais.
Na origem do inquérito estiveram duas denúncias à Polícia Judiciária Militar, tendo depois sido apreendido pela Polícia Judiciária, em março de 2020, um envelope confidencial contendo oito diamantes, pelos quais Ricardo Marçal - que foi introduzido por Paulo Nazaré na transação - tinha pagado cerca de 10 mil euros. Contudo, as perícias efetuadas por peritos aos diamantes apreendidos (três em bruto e cinco lapidados) concluíram que o seu valor global não ia além dos 290,78 euros.
Dos militares fazem parte membros dos Comandos do Exército, um militar da GNR, dois agentes da PSP, bem como cidadãos civis de diversas nacionalidades, em número superior a 66 pessoas e mais de 40 empresas.
Do núcleo duro desta associação criminosa, indica o despacho, fazem ainda parte Natalia Vázquez (referenciada como uma das namoradas de Paulo Nazaré), Wilker Rodrigues e a sua companheira Daiane Nascimento, Ricardo Marçal, Nuno Lourenço, Nazar Stashko, Tiago Gaspar, Sidney Lomba, Michael Oliveira, Francisco Ricardo Manuel, Fernando Jorge Silveira, Luís Chantre, Ricardo Veludo, Nuno Bolorico, Fernando Delfino, George Franco, Emanuel Marques, Jair Cirilo, Artur Amorim, Jorge Magalhães, Eduardo Almeida, entre outros.
Os autos indicam que todos os membros da rede criminosa tinham a preocupação de comunicarem entre si através de aplicações específicas, como WhatsApp, Telegram e Signal, por forma a ocultar as conversas, havendo escutas telefónicas em que Paulo Nazaré assume expressamente que as transferências bancárias e a compra e venda de Bitcoin são esquemas de branqueamento de capitais.
De acordo com a investigação, Paulo Nazaré menciona várias vezes a existência de uma estrutura montada com o único objetivo de rececionar transferências avultadas e encobrir a transação com uma aparência lícita, utilizando contas bancárias de pessoas do seu círculo de influência e comunicando diretamente com pessoas que desejam "lavar" o dinheiro.
Para o efeito, deslocou-se várias vezes ao estrangeiro, incluindo Angola, Guiné, Dubai, África do Sul e Londres, tendo nos seus contactos pessoais empresários, oficiais militares e diplomatas.
A investigação concluiu ainda que para dissimular a atividade, Paulo Nazaré, além de recorrer a contas bancárias de terceiros, também utilizou telemóveis e veículos de outras pessoas. Nas comunicações que realizou invocou termos técnicos da área bancária como 'compliance', 'callback', 'letter of credit', 'letter of intentions' e 'standby letter of credit'.
O modo de atuação da rede - explicam os investigadores - assentava em alguém contactar Paulo Nazaré e expor a situação, geralmente relacionada com dinheiro que é preciso branquear, solicitando uma solução para esse efeito.
A investigação indica como braço-direito de Paulo Nazaré o cidadão brasileiro Wilker Rodrigues, que já residiu em Inglaterra e que está atualmente em Portugal em situação irregular, sendo conhecido pelo "brasileiro das transferências", conforme menciona o processo.
É assim apontado como o braço-direito de Paulo Nazaré nos negócios da compra e venda de diamantes e ouro e como intermediário e angariador quanto ao recrutamento de pessoas, com vista à sua utilização das respetivas contas bancárias para passagem de dinheiro obtido de forma ilícita, assumindo ainda uma posição de destaque na rede na área do 'phishing'.
Wilker Rodrigues utilizaria a sua rede de contactos no Brasil, Inglaterra e Dubai e dos seus parceiros em Portugal para utilizar contas bancárias e terminais de pagamento de terceiros, fazendo suas as devidas comissões e assegurando também as percentagens das pessoas que instrui no sistema criminoso.
O cidadão brasileiro está também indiciado de colaborar com Paulo Nazaré na aquisição e venda de notas falsas, atividade que contaria com o apoio do arguido Fernando Delfino.
Natália Vázquez teria por missão criar contas bancárias, nomeadamente nos bancos ABanca e Openbank, mas cujas instruções de movimentação são dadas ou executadas por Paulo Nazaré.
Entre os arguidos da Operação Miríade está o advogado e empresário de origem angolana Artur Amorim, que foi apresentado a Paulo Nazaré por Nuno Bolorico, por facilitar operações de transferências bancárias e compra de Bitcoin com dinheiro. É gerente de um estabelecimento de diversão noturna em Alcântara, Lisboa, tendo exercido a profissão de disc-jockey.
Como jurista, tinha por função na rede elaborar contratos fictícios para justificar certas transferências bancárias, utilizando para o efeito empresas de conhecidos e familiares. Nesta atividade era auxiliado pelo filho, Bruno Amorim.
A PJ realizou na segunda-feira 100 mandados de busca e fez 11 detenções, no âmbito da Operação Miríade, num inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.
Após interrogatório, foi aplicada a suspensão do exercício de profissão a quatro arguidos, bem como proibições de contactos e de se ausentar do país a oito arguidos. Nove arguidos terão a obrigação de apresentações periódicas às autoridades.