Argentina tenta hoje acordo com o Brasil para aliviar tensões no Mercosul
O especialista Marcelo Elizondo considera que a Argentina vai tentar chegar hoje a um acordo com o Brasil para aliviar o conflito no Mercosul, conter a preocupação dos exportadores argentinos e ganhar tempo, apostando numa mudança no Governo brasileiro.
"A Argentina percebeu que as queixas do Brasil, somadas às do Uruguai, por uma modernização do Mercosul tendem a piorar. Isso a obriga a tomar uma decisão porque o preço dessa situação indefinida é alto. A viagem é uma forma de a Argentina admitir que não pode continuar num conflito aberto com o Brasil", disse à Lusa o consultor argentino de negócios internacionais Marcelo Elizondo, especialista em Mercosul.
O novo chefe da diplomacia argentino, Santiago Cafiero, no cargo há 18 dias, tenta reconstruir a ponte entre Argentina e Brasil, eixo da integração regional. Os dois países vivem num conflito ideológico entre o mercado livre, defendido pelo Governo de Jair Bolsonaro, e o protecionismo, do Governo de Alberto Fernández.
A tensão dentro do Mercosul tem aumentado, a ponto de ameaçar a existência do bloco, formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, como membros fundadores.
O Brasil, com o apoio do Paraguai e do Uruguai, quer uma redução da Tarifa Externa Comum (TEC), considerada a mais alta do mundo. Em média, a TEC está em 12,5% enquanto a média mundial é de 5,5%.
Essa barreira tarifária impõe uma proteção à produção local contra os produtos e serviços de fora do bloco. Porém, quando mal calibrada, esta barreira também impede a concorrência, fazendo as empresas perderem competitividade e a economia pagar o custo, através da inflação e do desemprego.
O Brasil queria uma redução da TEC de 50%, mas diminuiu as suas pretensões. Propõe uma redução de 10% este ano em todas as tarifas e outros 10%, também de forma generalizada, em 2022.
A Argentina aceita diminuir apenas 10% este ano, mas somente em 75% dos seus produtos, deixando de fora setores de mão-de-obra intensiva como automóveis, laticínios, brinquedos e têxteis.
O Paraguai e o Uruguai, sem indústrias a protegerem, são favoráveis a qualquer redução na TEC "tornando a discussão entre Brasil e Argentina de hoje um acordo selado a ser anunciado na Cimeira do Mercosul em dezembro", no final da presidência brasileira do bloco.
"A Argentina precisa atenuar este foco de conflito que assusta as indústrias que exportam para o Brasil. Estão preocupadas com esta controvérsia, insustentável por mais tempo. Já o Brasil, está interessado em terminar a sua Presidência do bloco com algum acordo, mesmo que muito menos ambicioso", considerou Marcelo Elizondo.
Na semana passada, o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, advertiu que "o Mercosul vai-se modernizar e quem estiver incomodado que se retire", em resposta ao Presidente argentino, Alberto Fernández, que disse, em março, que "o Mercosul não é um lastre nem uma camisa-de-força e quem não gostar pode abandonar o barco".
"A Argentina percebeu que o Brasil está disposto a romper pactos e isso tem um alto custo para os setores exportadores argentinos. É mais barato a Argentina harmonizar o clima", observou Elizondo.
Há ainda outra estratégia argentina para chegar a um acordo mínimo com o Brasil: ganhar tempo, disse. Em outubro do próximo ano o Brasil elegerá um novo Governo e a Argentina aposta numa mudança política. O próprio Presidente argentino já manifestou o seu apoio a Lula da Silva.
"Um ano eleitoral no Brasil implica que o Governo brasileiro se concentrará na agenda interna. Terá um segundo semestre dedicado à campanha política. A Argentina joga com isso também", afirmou o especialista.
Outro ponto de conflito, impulsionado pelo Uruguai, com apoio do Brasil, mas sem o aval da Argentina e do Paraguai, é uma flexibilização da regra que, assim como na União Europeia, proíbe um membro do bloco negociar individualmente acordos de comércio livre com terceiros países.
A Argentina entende que uma flexibilização dessa regra seria o fim do Mercosul como União Alfandegária. Para pressionar, o Uruguai já anunciou que está a negociar um acordo com a China.
"Não acredito que, por enquanto, haja um acordo sobre terceiros mercados. Não é a prioridade desta reunião", descartou Elizondo.
O Governo brasileiro divulgou, numa nota, que os principais temas a serem discutidos na reunião de hoje em Brasília são "os assuntos relacionados com o fortalecimento e com a modernização do Mercosul".