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Eu quero é ser motorista

A nova profissão de sonho: motorista. Andei eu quase 30 anos a queimar pestanas em redações para depois perceber que devia ter tirado carteira profissional de motorista. De VIPs e de pesados.

Já tinha inveja do João Pernas, o motorista do Sócrates, que fazia aquilo que toda a gente gosta, que é viajar, atravessar vários países de carro e ainda por cima com a garantia de que quando chegava ao destino nem tinha gasto dinheiro. É impressionante como as pessoas conseguem ser poupadas nos dias de hoje. A mim, só me chegam contas para pagar.

Um ex-colega meu do Colégio é hoje motorista de altas entidades, ali para os lados de São Bento. Um miúdo viajado, culto até mais não, conhece o país de lés-a-lés, tira selfies que não lembram a ninguém de norte a sul do nosso Portugal e ainda lhe pagam para isso, com ajudas de custo e horas extraordinárias à mistura. Eu só me lembro que no jornal onde estive vinte anos era chamada aos feriados e diziam que eu podia tirar outro dia, que a troika não deixava pagar extras. Nesses dias éramos funcionários públicos, mas quando tocava a ter direitos éramos uma empresa privada. Hoje até me rio desses tempos.

Devia era ter sido motorista da empresa em vez de jornalista, talvez tivesse tido mais sorte. Tanta sorte como têm agora os camionistas que estão a trabalhar no desaterro do novo hospital. Um dia destes, em conversa com um motorista de uma empresa regional de transportes públicos, contou-me que das 18 vagas abertas, apareceram cinco tipos. A razão era simples, eles agora estão todos nos camiões a tirar terra em Sana Rita. Não querem saber de se levantar às quatro da manhã como eu e trabalhar aos fins de semana. E eu a pensar cada vez mais que a profissão de futuro é ser motorista.

Nesse mesmo dia à noite ligo a televisão na hora do Telejornal. Descobrir que o Florêncio, o motorista do Rendeiro, ganhava rios de dinheiro e tinha um apartamento de mais de um milhão de euros e ainda por cima desistiu de lá viver para dar usufrutos à mulher do fugitivo, é de ir às lágrimas. De emoção, por haver ainda tanta gente boa neste mundo. Depois do Pernas, que sustentava a mãe do Sócrates, coitadinha, a chegada do São Florêncio à vida de uma Maria de Jesus é uma bênção para a pobre senhora. Não tinha tecto, não tinha marido, não tinha nada.

Mudei de canal. Vi uma televisão inglesa com o Boris a pedir motoristas. Acho que vi o Rendeiro na fila. Erro dele. O Reino Unido não precisa de motoristas para mais de três meses. Aqui no Hospital tinha emprego garantido até o fim de 2022. Vou ali tirar carta de pesados e já venho…